O Fortaleza é um time emergente no cenário do futebol brasileiro. O Leão tem as contas em dia, conquistas recentes, protagonismo regional e uma indiscutível ascensão nacional. Não dá para dizer que é tudo por causa de Rogério Ceni, mas é inegável que tudo começa com ele.

Desde que o ex-goleiro assumiu como técnico, o Fortaleza saltou da Série B para a melhor classificação da sua história na Série A, levando o título da Segundona, do Campeonato Cearense e da Copa do Nordeste no caminho. De “brinde”, a participação inédita numa competição continental.

O retorno esportivo veio acompanhado de um aprimoramento estrutural completo, da infraestrutura do CT ao quadro de funcionários, do gerenciamento do dia a dia à organização das viagens.

Completa a evolução do clube o crescimento financeiro, com o aumento de receitas e de investimentos que permitiram o pagamento de um valor recorde pela contratação de um jogador.

O papel de Rogério Ceni nesta história toda é maior do que se pode imaginar e maior ainda do que um treinador costuma a ter.

Como foi a chegada de Ceni no Fortaleza

Rogério Ceni assinou um contrato com o Fortaleza em novembro de 2017, para assumir o cargo em janeiro de 2018. A aproximação com o clube foi por intermédio do ex-goleiro Bosco, antigo companheiro de Ceni e na época membro da comissão técnica da equipe cearense.

O Leão tinha acabado de conquistar uma vaga para a Série B depois de oito anos na terceira divisão e tinha interesse num projeto sólido, tendo em vista que 2018 marcaria o seu centenário.

Quando visitou as instalações tricolores, Ceni encontrou um cenário de pobre infraestrutura, mas de boas perspectivas. O antigo presidente, Eduardo Girão, tinha bancado a quitação de dívidas, e o aumento da receita para a segunda divisão permitiria maiores investimentos.

Isso permitiu que Ceni e Marcelo Paz, o eleito para a presidência no ano seguinte, acordassem que o treinador teria diversos de seus pedidos atendidos. Não eram, porém, exigências financeiras ou contratuais, mas sim de melhoras estruturais.

Rogerio Ceni e Marcelo Paz
Paz foi empresário no futebol antes de assumir a presidência do Fortaleza. (Foto: Mateus Dantas / O Povo)

As mudanças de Ceni no Fortaleza

Quando, enfim, assumiu o cargo, Rogério Ceni modificou diversas questões do dia a dia. De cara, tirou os treinos das instalações do clube, o chamado CT do Pici (do homônimo bairro onde está localizado) para um mais afastado da cidade.

Novo CT, nova rotina: os treinamentos passaram a ser fechados, seja para a torcida, seja para para sócios. Ao fim das sessões do dia, os jogadores só eram liberados depois do jantar planejado pelos nutricionistas da comissão técnica.

A nova política de alimentação exigiu melhorias na cozinha e a contratação de profissionais.

Houve também uma reforma nos alojamentos e na academia, para que os jogadores pudessem se fortalecer e, principalmente, se recuperar dentro do CT — o processo antigamente era feito em academias particulares.

Outra mudança pedida foi a contratação de um profissional para cuidar das viagens. Antes, era tudo resolvido na chegada da equipe nas cidades e nos hotéis.

A parceria de Ceni com Marcelo Paz

Todo esse processo só foi possível graças à parceria de Rogério Ceni com Marcelo Paz. O presidente consultava o treinador para diversos assuntos e bancava a maioria das suas decisões. Tamanha era a confiança que até a montagem do elenco ficou sob a chancela de Ceni.

O Fortaleza começou o ano com pouquíssimos jogadores e foi incorporando atletas a medida que o treinador convencia, um por um, antigos colegas, adversários e outros nomes que o chamaram a atenção.

A ideia do ex-goleiro era um tanto arriscada: formar um grupo menor, mas que possibilitasse contratações mais caras. Vale lembrar que em 2018 o Leão só disputou a Série B e o Campeonato Cearense.

Foi depois do estadual, aliás, que aconteceu um dos momentos mais decisivos para a dupla. A derrota na final para o rival Ceará aumentou a pressão sobre Ceni, em que pesava o dinheiro gasto pelas suas “exigências”. Paz bancou o treinador. Deu certo.

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O Fortaleza de Rogério Ceni e o título da Série B

Na base da relação entre técnico e presidente, o entendimento compartilhado sobre a gestão de um time de futebol. Ceni, assim como Paz, enxerga a importância dos detalhes no dia a dia e a integração entre rotina, preparo, treino e desempenho. É a visão dos grandes clubes.

Com a nutrição e a musculação em dia, o treinador pôde pensar numa equipe de ritmo de jogo mais intenso. A privacidade nos treinos e o maior tempo de convivência no CT permitiram por em dia o aprimoramento individual dos jogadores.

O tempo de preparação entre estadual e o Brasileirão foi o suficiente para tudo se encaixar.

O Fortaleza sobrou na Série B. Na largada, três vitórias consecutivas e nove jogos de invencibilidade. Foram sete vitórias nessa sequência, com 18 gols marcados e apenas seis sofridos.

O atacante Gustavo, o Gustagol, marcou sete gols na série invicta e 28 no campeonato. Ele foi um dos jogadores que Ceni contratou via telefone e que aprimorou nos treinamentos. Teve até aula de batida de falta.

Dentro de campo, os comandados de Rogério Ceni procuravam jogar bola. O estilo era de passes curtos e rápidos e a mentalidade era extremamente ofensiva.

Nesse ritmo, o Fortaleza levou a Série B com uma mão nas costas. Liderou praticamente a competição inteira e confirmou o título com duas rodadas de antecedência. Ao fim do calendário, foram 21 vitórias e oito empates e uma diferença de nove pontos para o segundo colocado.

A renovação de Ceni e o projeto no Fortaleza

Seguindo uma muito comemorada renovação de contrato do treinador, acordada a partir do compromisso de mais melhorias estruturais, o ano de 2019 foi de consolidação do projeto de Paz e Ceni.

O maior orçamento para a Série A permitiu a contratação de jogadores com características alinhadas ao modelo de jogo vigente. O goleiro Felipe Alves, por exemplo, foi adquirido pelos atributos com a bola nos pés; o zagueiro Quinteros pelo bom passe e liderança dentro de campo; o volante Juninho pela capacidade de armação e qualidade na batida da bola.

Não foi acaso, portanto, as conquistas do Campeonato Cearense e da Copa do Nordeste, completando uma trinca de títulos nunca antes conquistada em tão pouco tempo.

No Campeonato Brasileiro, o time não fez feio. Longe de fazer uma campanha brilhante mas sempre buscando um bom desempenho dentro de campo, independentemente do adversário.

Esse Fortaleza foi tão bem montado que nem a aventura de Rogério Ceni no Cruzeiro impactou sua caminhada na competição. Pelo contrário: o treinador deixou o time na 14ª posição, voltou e terminou o campeonato como o 9º colocado.

Os 53 pontos somados foram a terceira melhor campanha de um time nordestino no Brasileirão de pontos corridos e renderam a vaga para a Sul-Americana de 2020, inédita na história do clube.

Fortaleza na Sul-Americana e o futuro com Ceni

Um pouco antes da suspensão do calendário do futebol brasileiro por conta da pandemia do coronavírus, o Leão provou que dava mais um passo à frente em sua transformação.

A pré-temporada já havia mostrado como o clube tinha se estruturado financeiramente. O atacante David, com quem Ceni trabalhou no Cruzeiro, foi trazido por mais de cinco milhões de reais, o maior valor já pago no futebol cearense.

Então houve o primeiro compromisso internacional da história do Fortaleza, na fase classificatória da Sul-Americana. O adversário era o Independiente, o maior campeão da Libertadores.

A classificação acabou ficando com os argentinos, mas os cearenses caíram jogando muito bem, com confiança, ofensividade e, como sempre, buscando o protagonismo do jogo.

Fortaleza com contas equilibradas e o caminho para o futuro

A eliminação, concretizada num Castelão lotado e com um placar 2 a 1 a favor, foi doída. Mas não foi trágica. O futebol apresentado, a gestão do time, tudo indica que o retorno aos jogos internacionais não deve demorar muito.

Se dentro de campo a situação é boa — a boa atuação contra um adversário de enorme tradição no continente e numa competição inédita é uma prova disso — fora de campo, ela continua, como em 2017, bastante promissora.

A edição de 2020 do estudo feito pelo Banco Itaú sobre a situação econômico-financeira dos clubes brasileiros põe o Fortaleza em um bloco de clubes emergentes que só fica abaixo do potencial de Flamengo, Grêmio e Palmeiras.

Com a casa arrumada e o bom futebol em dia, Leão e Ceni pensam no futuro.

No início da nova década, foi intensificada a formação de uma rede de captação de jovens jogadores, que observa promessas atuando em clubes menores da região Nordeste e joias subaproveitadas nas bases dos gigantes do Sul e do Sudeste.

O ponta Yuri César, que se destacou no começo da temporada, é o melhor exemplo. Vindo da base do Flamengo, o atleta é a personificação do esforço da diretoria do Fortaleza na busca pela sustentabilidade do elenco, isto é, em manter o elenco sempre renovado e principalmente talentoso.

A saída de Ceni para o Cruzeiro em 2019 foi um aviso. O ex-goleiro está em ascensão dentro do mercado dos técnicos brasileiros e a próxima proposta pode não ser outra aventura de um mês.

Sem problemas. A transformação do clube, o caminho desenhado para o futuro, enfim, o legado de Rogério Ceni no Fortaleza já foi construído. E quem sabe não há mais por vir?

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*Última atualização em 31 de julho de 2020