Ana Cristina, uma das promessas do voleibol brasileiro, falou sobre os desafios que enfrentou em relação à saúde mental durante sua participação no podcast Ataque Defesa, do jornalista Alê Oliveira.

A atleta, que hoje tem 20 anos e atua no profissional desde os 16, revelou que, apesar de sua paixão pelo esporte, a pressão constante a que foi submetida a fez tomar uma pausa na carreira para cuidar de sua saúde mental.

O Esportelândia também conversou com psicólogos esportivos no Dia do Psicólogo para falar sobre a importância do acompanhamento dos atletas do vôlei com especialistas em saúde mental.

O começo precoce de Ana Cristina e a pressão externa

Ana Cristina começou descrevendo como a pressão de se tornar uma jogadora de elite foi uma constante em sua vida desde cedo.

Comecei muito cedo. Com 10 anos eu já estava no clube, em São Caetano. Desde pequena sempre fui destaque nas categorias de base. Sempre senti muito essa pressão de ser a melhor.

Ela destacou que essa pressão não vinha dela mesma, mas de fatores externos, como técnicos, companheiras de equipe e até dos pais de outros atletas.

A pressão não era tanto de mim. Eu me divertia muito em quadra, quando assistia minha mãe jogando. A pressão era das pessoas ao meu redor, dos técnicos, até mesmo das meninas, companheiras de equipe, das pessoas que assistiam de fora e, na verdade, eu só queria me divertir.

Ana Cristina no Sesc Flamengo
Ana Cristina no Sesc Flamengo (Divulgação/Sesc Flamengo)

Cobranças e responsabilidades além da idade

Apesar de sua pouca idade, Ana Cristina sempre foi tratada como uma jogadora madura, o que trouxe responsabilidades adicionais.

A jovem atleta também mencionou que, embora tivesse o apoio de seus pais, principalmente de sua mãe, que também viveu o voleibol, as cobranças externas eram difíceis de balancear.

Sempre joguei com as meninas mais velhas e tinha responsabilidades como as mais velhas.

Nunca viraram para mim, dentro de quadra, e falaram: ‘Não vou cobrar dela porque ela é mais nova’, não! Muito pelo contrário!

‘Se a Ana é uma das melhores, vai ser cobrada como uma das melhores, independente da idade dela!’. Então, eu sempre senti muito isso.

O impacto da rotina e a necessidade de parar

A transição rápida de categorias e a intensa rotina de jogos acabaram impactando a saúde mental de Ana Cristina.

O acúmulo de responsabilidades e a exigência de amadurecimento rápido a fez perceber a necessidade de uma pausa.

O acúmulo de responsabilidades e a exigência de amadurecimento rápido me fizeram perceber a necessidade de uma pausa.

Chegou uma hora que eu não conseguia mais. Não queria mais estudar, não queria mais jogar, não queria mais fazer nada.

Meu rendimento na quadra, consequentemente, começou a cair. Poucas pessoas sabem. Poucas pessoas perceberam. Mas isso realmente aconteceu e senti na pele.

Superação e novos desafios para Ana Cristina

Apesar dos desafios enfrentados, Ana Cristina conseguiu encontrar forças para superar o momento difícil.

Sua dedicação e talento a levaram a novos patamares, como a convocação para a seleção brasileira adulta e a participação em grandes competições.

No entanto, a experiência também serviu como um lembrete dos desafios que o esporte de alto rendimento impõe aos jovens atletas, e da importância de cuidar da saúde mental.

Ana Cristina passou por um salto gigante em sua carreira em um espaço de tempo muito curto. Em apenas quatro anos, ela conquistou o que muitas atletas demoram uma vida inteira para alcançar.

Para a atleta, esse rápido avanço trouxe amadurecimento, mas também desafios e dores que ela precisou superar.

Não que seja só mérito meu. Também é, mas realmente gosto de dar mérito a Deus e tudo que Ele tem feito, porque, talvez, se fosse por mim, eu não teria seguido esse caminho.

Eu teria seguido o caminho normal e estaria na base até hoje, com 20 anos. Eu ainda sou sub-21, ainda poderia jogar juvenil.

Mas as coisas aconteceram de uma forma tão rápida, tão inesperada para mim, que trouxeram amadurecimento, mas também trouxe alguma certa dor.

Adaptação difícil no exterior

A experiência de jogar em um dos maiores clubes da Europa, o Fenerbahçe, foi um dos momentos mais desafiadores da vida de Ana Cristina.

Ela e seus pais se mudaram para a Turquia, onde ela enfrentou uma dura adaptação a uma nova cultura, língua e estilo de vida. 

Foi um ano de adaptação mesmo. Não consegui jogar muito, mas estava sempre treinando. Ali foi o primeiro momento que eu cheguei e falei: ‘Não estou jogando, o que eu vou fazer?’.

A transição foi dolorosa e Ana lutou para se manter motivada. Mesmo diante das dificuldades, continuou se esforçando ao máximo, buscando oportunidades e mantendo a esperança de que logo voltaria a ser uma peça-chave na Seleção Brasileira.

Ana Cristina no Fenerbahçe
Ana Cristina no Fenerbahçe (Divulgação/Fenerbahçe)

Pressão e conflitos internos

Com o fim da temporada na Turquia, Ana Cristina voltou à Seleção Brasileira com expectativas renovadas, mas a pressão interna e externa aumentaram.

O peso das cobranças, tanto de fora quanto de dentro, começou a afetá-la profundamente.

O diferencial daquele ano foi que a pressão aumentou dentro de mim também. Então, foi uma mistura. Pressão de fora com o que eu estava sentindo dentro. Muitos conflitos internos.

Esses conflitos culminaram em um momento decisivo durante a Liga das Nações de Vôlei (VNL), na Bulgária.

Sentada na arquibancada, Ana Cristina percebeu que não conseguia mais se ver dentro da quadra, algo que a emocionou profundamente.

Eu olhava para dentro da quadra e não conseguia mais me ver dentro dela. Eu até me emociono, porque não conseguia mais me ver jogando.

Ana Cristina durante a Olimpíada de Paris 2024 (Divulgação/Volleyball World)
Ana Cristina durante a Olimpíada de Paris 2024 (Divulgação/Volleyball World)

A decisão de parar e o caminho da recuperação

Tomar a decisão de parar foi extremamente difícil para Ana Cristina, que sentiu a necessidade de focar em sua saúde mental para poder continuar em um futuro próximo.

Contrariando a crença de que a decisão poderia ter sido influenciada por outras pessoas, Ana Cristina foi clara ao afirmar que a escolha foi inteiramente dela:

As pessoas acham que meus pais tomaram essa decisão por mim. Não! Só eu posso tomar essa decisão. A carreira é minha, as consequências vão ser minhas.

Durante esse período, Ana Cristina iniciou um trabalho intenso com uma psicóloga e, posteriormente, com uma psiquiatra, chegando a precisar de medicação para depressão.

Essa pausa foi crucial para a atleta, que precisou se afastar temporariamente do vôlei para focar em si.

Não consegui me desligar totalmente do vôlei porque, como eu falei, o vôlei para mim sempre foi diversão, mas fui fazer outras coisas, fui focar um pouco mais em mim.

Ana Cristina e família
Ana Cristina e família (Instagram Ana Cristina)

Reconexão com Deus e redescobrindo a identidade

Durante o período de pausa em sua carreira, Ana Cristina encontrou um tempo para se reconectar consigo mesma e com Deus.

Em meio à agitação do dia a dia, ela percebeu como é fácil se afastar da espiritualidade, esquecendo de orar e refletir.

Esse momento foi crucial para ela encontrar paz e redescobrir sua verdadeira identidade. 

Foi um momento de reconexão comigo e com Deus, porque, nessa loucura do dia a dia, é muito fácil esquecer de entrar na presença Dele, de orar, de ler. Então, foi um momento que tive paz.

Ana Cristina revelou que, durante esse período, dedicou-se a escrever, um hábito pouco conhecido por muitos. Olhando para os textos que escrevia, percebeu que não sabia realmente quem era.

As expectativas externas a definiam como uma atleta de destaque, mas faltava compreender quem era a “Aninha” fora das quadras.

Foi um processo profundo de autodescoberta, ancorado na fé, que a ajudou a voltar ao esporte com uma nova mentalidade.

Ana Cristina e Macris
Ana Cristina e Macris no Fenerbahçe (Instagram Ana Cristina)

A temporada de superação de Ana Cristina e reconquista

Após esse período de reconexão, Ana Cristina retornou ao seu clube com uma nova perspectiva. A temporada 2022/23 foi marcada por desafios, mas também por uma determinação renovada.

Ela lutou para conquistar seu lugar no time, enfrentando momentos de adversidade e, ao mesmo tempo, encontrando conforto e apoio em colegas como a levantadora Macris, com quem desenvolveu uma forte conexão dentro e fora de quadra.

Ana Cristina terminou a temporada de forma vitoriosa, sentindo-se realizada e grata por cada obstáculo superado.

Foi uma temporada difícil, mas, graças a Deus, conseguimos ganhar. Fomos campeãs e realmente foi uma das temporadas que eu mais me senti realizada. Foi um momento que senti que tudo que eu passei valeu a pena.

 

O desafio da lesão e a superação pessoal

No entanto, nem tudo foi um mar de rosas. Durante a etapa da Liga das Nações de Vôlei (VNL), em 2023, Ana Cristina sofreu uma grave lesão no joelho durante um treino em Brasília.

Esse momento difícil, que poderia ter sido devastador, foi enfrentado com força e apoio, especialmente do namorado, que esteve ao seu lado durante toda a recuperação. 

Ali tinha tudo para ser um momento muito ruim, mas meu namorado estava lá e me ajudou muito nesse momento, porque ele foi direto para o hospital.

Ele tinha acabado de chegar do campeonato. Eu falei dele porque realmente foi [importante]. Se ele não tivesse lá, eu teria pensado muita coisa.

Ana Cristina e namorado
Ana Cristina e namorado, Maicon Santos (Instagram Ana Cristina)

A recuperação foi lenta e desafiadora. Ana Cristina teve que correr contra o tempo, sabendo que a Olimpíada estava se aproximando.

Mesmo fora das quadras, não foi um momento de descanso, mas de intenso treinamento mental e físico, focando em estar pronta para o retorno.

 

O retorno de Ana Cristina ao voleibol e a luta pela recuperação completa

Ana Cristina retornou à Turquia para continuar sua recuperação, enfrentando um ambiente onde seu time já estava em plena forma, enquanto ela ainda se recuperava.

A lesão no menisco não foi comum; o processo de cura foi mais longo e exigiu muita paciência e determinação.

Ana Cristina recuperação de cirurgia
Ana Cristina após a cirurgia

Mesmo após estar tecnicamente recuperada, Ana Cristina teve que lidar com a falta de ritmo de jogo, uma parte crucial para qualquer atleta.

Voltei a treinar, a saltar, mas ainda não estava tendo a oportunidade de jogar. Apesar de estar recuperada 100%, entrava no final dos jogos, no final dos sets, para bloquear. Mas não estava jogando constantemente. Comecei a jogar mesmo lá para abril e já estava recuperada.

A importância do acompanhamento da saúde mental para jovens atletas

O ambiente esportivo moderno oferece tanto oportunidades quanto desafios significativos para os jovens atletas.

Entre as questões mais complexas está a pressão psicológica, intensificada pelas redes sociais e expectativas externas.

O acompanhamento da saúde mental torna-se, assim, um elemento crucial para o bem-estar e o desempenho desses atletas.

Psicólogos esportivos como Eduardo Cillo e Mariah Theodoro da Silva destacam os impactos dessa nova realidade e a importância de estratégias para lidar com ela.

O impacto das redes sociais na vida dos atletas

As redes sociais, ao mesmo tempo, em que conectam atletas ao mundo, podem ser uma fonte significativa de estresse e distração.

Mariah Theodoro da Silva observa que o uso excessivo dessas plataformas pode levar à fadiga mental, afetando a memória, a tomada de decisões e até mesmo o desempenho esportivo.

O problema se agrava quando a exposição nas redes aumenta a vulnerabilidade emocional dos atletas, que passam a enfrentar críticas e ofensas que elevam seus níveis de estresse e ansiedade.

Desdobramentos cognitivos pelo uso de mídia social também são observados e consequentemente a saúde emocional desse atleta estará prejudicada.

A fadiga mental, por exemplo, é um dos sintomas gerados pelo uso excessivo de mídia, prejudicando o aprendizado, afetando a memória, solução de problemas, tomada de decisão e um cansaço além do natural.

Eduardo Cillo complementa essa visão, enfatizando que as redes sociais consomem tempo e energia dos atletas, o que pode prejudicar seu descanso e foco.

Além disso, a volatilidade das opiniões públicas nas redes pode inflar o ego ou, ao contrário, desestabilizar emocionalmente os atletas, impactando diretamente sua rotina e desempenho.

Parece inocente e pouco desgastante, mas, na prática, a rede social acaba consumindo bastante da energia e do tempo do usuário.

Se esse usuário é um atleta, então ele corre o risco de descansar menos do que ele precisa, de perder o foco e também se desgastar.

Com mensagens que podem ou enaltecer demais uma vaidade, um ego, ou enfraquecer.

A pressão exacerbada sobre os atletas na atualidade

A pressão sobre os atletas, especialmente os jovens, é uma realidade antiga, mas que ganhou novas dimensões com o avanço da tecnologia e das redes sociais.

Mariah Theodoro da Silva destaca que a exposição nas redes, somada às expectativas dos patrocinadores e à necessidade de resultados rápidos, coloca os atletas sob um tipo de pressão multifacetada, que vai além do campo de jogo e invade suas vidas pessoais.

Alguns preditores de pressões de atletas hoje em dia incluem a exposição nas redes sociais, cobranças e expectativas elevadas de um público maior e sem “identidade”, além da pressão para atender patrocinadores.

Os avanços científicos e tecnológicos, embora incríveis, também podem se tornar mais um tipo de pressão ao otimizar a performance de forma incessante.

Eduardo Cillo acrescenta que, embora a pressão por desempenho sempre tenha existido, a visibilidade ampliada pelos diversos canais de mídia atuais torna o desafio ainda maior.

Hoje, os atletas precisam aprender a lidar com a ideia de que seus sucessos e fracassos são assistidos por milhões de pessoas em tempo real, algo que pode desviar o foco da tarefa principal: a competição.

Por conta de mudanças tecnológicas, incluindo redes sociais, o atleta acaba sendo bem mais exposto, pois há diversos canais de transmissão além das mídias tradicionais, permitindo que o público assista ao sucesso ou fracasso do atleta.

O atleta precisa aprender a lidar com isso, focando na tarefa durante a competição, sem pensar que está sendo visto por milhões de pessoas.

A necessidade de um suporte psicológico adequado

Diante desses desafios, o acompanhamento psicológico torna-se essencial para ajudar os jovens atletas a desenvolverem estratégias de enfrentamento e a blindarem-se contra os efeitos negativos da pressão e das redes sociais.

Tanto Mariah quanto Eduardo enfatizam que, ao se preparar mentalmente, o atleta não apenas melhora sua performance, mas também protege sua saúde emocional, garantindo uma carreira mais equilibrada e saudável.

O cenário atual exige que os jovens atletas estejam equipados não só com habilidades físicas, mas também com ferramentas psicológicas para enfrentar as pressões do esporte e da vida digital.

O suporte psicológico adequado é, portanto, um investimento essencial no sucesso e no bem-estar desses jovens talentos.

Já que você ficou até aqui, que tal ficar por dentro de mais assuntos sobre a saúde mental nos esportes?