O impacto da pandemia do novo coronavírus no meio do futebol vai muito além do que alguns meses de pausa e um calendário alterado. Todo o contexto sanitário e econômico deve influenciar também o mercado de transferências e seus altíssimos valores.
Só o tempo parado já fez um mal danado para o caixa de muito clube por aí. Os grandes reduziram salários, os médios ficaram no aperto e os pequenos correm riscos.
A ausência de torcedores, por sua vez, colocou em xeque todo o modelo de negócios vigente no futebol e está obrigando os seus agentes econômicos a buscarem outras saídas — ou a rezar para uma normalização rápida da situação.
O mercado de transferências está numa situação especial. É que ele é tanto um fim quanto um meio. Os times, afinal de contas, se estruturam para fazer caixa e trazer bons jogadores com a finalidade de disputar títulos.
Mas também contratam para fazer a “roda da economia” girar: um grande jogador vende camisas e jogos para a televisão, enche estádios e viabiliza acordos marqueteiros e comerciais.
Tudo isso motivou a Esportelândia a dar uma olhada mais a fundo nas transferências do futebol pós-pandemia, a analisar o que já aconteceu e o que podemos (ou não) esperar para o futuro do mercado da bola.
O mercado antes da pandemia: inflação pós-Neymar
Sob um ponto de vista histórico, a transferência de Neymar para o PSG, em agosto de 2017, marcou o mercado de futebol. A contratação mais cara de todos os tempos ( € 222 milhões) acabou por inflacionar as demais transações a valores estratosféricos.
Das 50 maiores transferências da história do futebol, 31 são de 2017 em diante, sendo oito no top 10.
A janela de 2019/2020 impressionou pela facilidade com o qual se pagou mais de 100 milhões de euros em jogadores, como o Real pelo Hazard, o Barça pelo Griezmann e o Atleti pelo João Félix.
O choque mesmo ficou por conta dos altíssimos valores anexados a atletas com um potencial bem distante — seja em retorno esportivo ou comercial — de Mbappé e Neymar.
O Manchester United pagou € 87 milhões no zagueiro Harry Maguire; o Bayern desembolsou € 80 milhões no lateral Lucas Hernández; o City mandou buscar o lateral João Cancelo por € 65 milhões, para ficar só em alguns exemplos.
A inflação do mercado da bola já vinha sendo notada, mas dali em diante virou consenso. As causas, claro, vão além da transferência de Neymar.
A hiper valorização das cotas de televisão da Premier League, a atuação da China na compra de jogadores, tudo contribuiu para que transferências de 30 milhões fossem consideradas “razoavelmente baixas”. Até a pandemia, pelo menos.
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Os efeitos da pandemia nos clubes de futebol
Se tem inflação, tem bolha e, com a pausa nas competições por conta da pandemia do novo coronavírus, ela ou estourou ou tremeu um bocado. Os maiores efeitos serão visíveis só mais a frente. Os “menores” já estão rolando. Lembra que falamos das contratações para fazer a economia girar?
A interrupção do campeonatos foi como um furo para essa roda. Sem jogos, não houve grana de televisão. Sem a torcida não houve bilheteria nem venda de produtos, e de repente o investimento milionário num jogador começou a ficar sem opção de retorno financeiro.
Isso aconteceu na maioria dos clubes no mundo numa intensidade ou em outra, e sem ter necessariamente o prejuízo das transferências.
Para quem o baque foi grande, houve redução salarial durante a pausa, como no Barcelona, no Real Madrid, na Juventus e até no Bayern, famoso por suas contas em dia. Outros tiveram seus “ativos” desvalorizando, como Mbappé e Neymar, no PSG.
A realidade dos clubes de futebol após a pandemia
Os efeitos da pandemia nos clubes de futebol podem ser resumidos na diminuição do poder de investimento dos gigantes, o que acarreta num efeito dominó.
Para times do quilate de Liverpool, Manchester United, Juventus, Real Madrid, Barcelona e Bayern de Munique, significa uma pausa nas contratações bombásticas. Haaland, Mbappé, Sancho e Neymar, por exemplo, vão ficar quietinhos em suas casas por enquanto.
Dessa forma, Borussia Dortmund, Atalanta, Sevilla e outros médios atuantes vão ficar um tempo sem seus milhões de praxe, e, assim, se voltarão menos para ligas como a holandesa e a portuguesa atrás de pechinchas, que, por sua vez, terão retraídos seus investimentos na América e assim por diante na hierarquia econômica da bola.
As transferências para a temporada 2020-2021
Mas não se engane: as contratações ainda acontecerão. No início da janela de transferências de 2020-2021, vimos que os times com a casa arrumada saíram na frente.
A economia forçada do Chelsa, que não podia contratar desde fevereiro de 2019, permitiu que o clube fizesse investimentos no meia Zyiech, ex-Ajax, e no atacante Timo Werner, do RB Leipzig, além de planejar outros reforços.
Ainda assim, foram € 40 milhões no primeiro e € 60 mihões no segundo, valores já um pouco mais baixos do que a realidade de antes da pandemia. De qualquer maneira, os clubes ingleses têm um caixa muito reforçado e elencos fortes, que os permitem fazer investimentos altos, mas pontuais.
O Manchester City, por exemplo, deve pagar por volta de € 45 milhões no zagueiro Aké, do Bournemouth. Comparado ao valor pago pelo já citado Harry Maguire, um defensor também do inflacionado mercado inglês e mais velho que o alvo do City, o negócio é realmente mais “acanhado”.
Fora que bastará ao City realocar os € 45 milhões recebidos do Bayern de Munique por Sané, outra das maiores contratações da nova janela.
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— Leroy Sané (@leroy_sane) July 4, 2020
O time alemão também tem uma situação financeira relativamente controlada, pelo menos no que diz respeito à grana para contratações, além de um elenco que permite que os investimentos sejam pontuais.
Mesmo assim, a transferência foi concretizada por quase a metade dos € 80 milhões do valor de mercado do atacante, segundo a avaliação do Transfermarkt.
Mais trocas e novos modelos de negócio
O “destaque” da nova janela fica por conta do negócio entre Juventus e Barcelona envolvendo os meias Arthur e Pjanic. Chama atenção primeiro o modelo específico, de duas compras. Trocando em miúdos, o que na prática foi uma troca, para a contabilidade foram duas vendas.
Independentemente dos mecanismos usados pelos italianos e espanhóis (provavelmente para impulsionar as contas de ambos), a negociação em questão inaugura o que deve ser uma tendência no mercado pós-pandemia.
O diretor da própria Juventus, inclusive, disse ser um caminho para a nova fase econômica do futebol, sugerindo negócios ao estilo da NBA, com os “passes” dos jogadores pertencendo às Ligas e Federações e os times fazendo trocas e negociações salariais.
Mais concretos, porém, são os contratos com vendas amarradas por diversas cláusulas e com pagamentos diluídos pelos anos de sua duração, fora o montante calculado incluindo bônus por metas e outras indexações.
Um bom exemplo é do negócio entre Palmeiras e Basel, da Suíça, envolvendo o atacante Arthur Cabral, um empréstimo com valor fixado, pagamento parcelado e compra obrigatória a partir de uma quantidade de gols.
Os valores são muito mais baixos do que o normal para os grandes agentes do mercado, mas a lógica é de fato muito boa, de dar garantias financeiras ao vendedor e de pelo menos o retorno esportivo do investimento ao comprador.
Os efeitos da pandemia no futebol brasileiro
No Brasil, a situação das transferências é um pouco diferente. Para além do fato do mercado brasileiro ser muito mais vendedor do que comprador, há a questão da desvalorização do real, que facilita muito os negócios com os clubes estrangeiros.
Assim, é possível que o volume do mercado não se altere muito, especialmente as vendas de jogadores do nível e do preço de Arthur Cabral. Transações envolvendo cifras mais altas, como a de Everton, do Grêmio, podem minguar nos próximos anos.
Em compensação, a captação das promessas brasileiras logo na base pode se intensificar.
Clubes como o Shakhtar Donetsk, que em 2019 levou Vitão, do Palmeiras, e Tetê, do Grêmio, direto dos juvenis, compram jogadores antes de estrearem nos profissionais para evitar os valores pagos pelo Real em Rodrygo, Vinícius Júnior e Reinier — 45, 45 e 30 milhões de euros, respectivamente.
Fora do espectro do mercado da bola, a diminuição das receitas de bilheterias e a pausa em si foram um golpe duro para os já delicados balanços financeiros dos clubes brasileiros.
Se o Flamengo divulgou um prejuízo recorde no segundo trimestre de 2020 e o Palmeiras teve de reduzir salários, imagina para times médios e principalmente para os pequenos.
Futuro incerto no futebol após a pandemia
As perspectivas para a economia do futebol mundial após a pandemia não são boas, mas também não são catastróficas. Na verdade, o futuro é bem incerto e vai depender principalmente do tempo de resposta dos países para a crise do coronavírus.
Até porque o nível midiático alcançado pelo futebol só tem crescido e o cenário de maior isolamento social tende a aumentar a procura por entretenimento ao vivo.
É só observar a venda dos direitos de transmissão da Bundesliga para o quadriênio 2021-2025, que, mesmo com prejuízo, ultrapassou a marca dos € 4 bilhões.
Depois desse panorama do mercado de transferências no futebol pós-pandemia, que tal conferir outros conteúdos sobre futebol? Veja também:
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*Última atualização em 02 de agosto de 2020
Jornalista formado pela UNESP, foi repórter da Revista PLACAR. Cobriu NBB, Superliga de Vôlei, A1 (Feminino), A2 e A3 (Masculino) do Campeonato Paulista e outras competições de base na cidade de São Paulo. Fanático por esportes e pelas histórias que neles acontecem, dos atletas aos torcedores.