Em fevereiro de 2017, Tifanny fez história ao se tornar a primeira atleta transgênero do Brasil a competir no vôlei profissional, estreando na segunda divisão do campeonato italiano.

Sua trajetória até esse marco foi desafiadora, envolvendo cinco anos desde sua transição de gênero e dois anos após a resolução do Comitê Olímpico Internacional (COI) que permitiu a participação de atletas trans no esporte mundial.

Antes de sua estreia internacional, Tifanny jogava nas divisões inferiores da Liga Belga masculina, onde ainda era conhecida como Rodrigo Pará.

Neste artigo, vamos explorar em detalhes a trajetória esportiva de Tifanny no vôlei e discutir as controvérsias e debates atuais envolvendo a presença de atletas trans no esporte.

Tiffany jogando pelo Osasco durante a temporada 2023 (Reprodução/Osasco)
Tifanny defendendo seu atual clube, Osasco (Reprodução/Osasco)

O começo da carreira de Tifanny e a transição de gênero

A transição de Tifanny para o vôlei feminino começou bem antes de sua estreia no cenário profissional.

Ela adotou o nome Tifanny na década anterior, em homenagem a um amigo do grupo de jogadores de vôlei LGBT.

Sua mudança para a Europa teve como objetivo acessar cuidados médicos mais acessíveis.

Quando finalmente fez sua estreia no vôlei feminino, Tifanny fez história ao marcar 28 pontos e liderar a vitória do Golem Palmi por 3 sets a 1, sendo eleita a Melhor da Partida.

No entanto, sua estreia também gerou polêmica, levantando questionamentos sobre um possível favorecimento biológico e abrindo debates que acompanhariam sua carreira.

Após a estreia de Tifanny, Silvia Fondriest e Ivan Iosi, capitã e treinador do Trentino, questionaram a justiça do nível de ataque dela, sugerindo que sua condição biológica poderia criar um desequilíbrio.

Por outro lado, Pasqualino Giangrossi, técnico do Golem Palmi, saiu em defesa de Tifanny, alegando que ela era simplesmente uma jogadora e rejeitando qualquer sugestão de vantagem injusta. Giangrossi também destacou a hipocrisia dos críticos que levantavam tais questões.

O debate sobre trans no esporte logo no seu primeiro ano como profissional

O debate sobre Tifanny ganhou nova dimensão quando Mauro Fabris, presidente da Liga Italiana de Vôlei, adotou uma postura mais cautelosa.

Embora tenha reafirmado o respeito pela jogadora, Fabris expressou preocupações sobre como lidar com situações semelhantes no futuro.

O tempo de Tifanny na Itália, embora reduzido por uma lesão na mão esquerda, não foi apenas um período de aprendizado em uma das principais ligas do vôlei mundial.

Ao retornar ao Brasil, ela continuou a causar impacto tanto dentro quanto fora das quadras.

Tifanny na Superliga e as polêmicas

Tifanny Abreu, ao assinar com o time de Bauru para a terceira temporada da equipe na elite do vôlei brasileiro, rapidamente mostrou seu valor, repetindo o sucesso que teve na Itália.

No final de 2017, nas suas três primeiras partidas da Superliga, Tifanny acumulou impressionantes 70 pontos, destacando-se com a melhor média de pontos da competição. Embora a amostra não fosse suficiente para uma análise completa, seu desempenho inicial já chamava atenção.

Em 2018, Tifanny consolidou sua posição como uma das grandes estrelas da liga. Em apenas 30 sets, ela acumulou 160 pontos.

O auge de sua performance aconteceu em 30 de janeiro de 2018, quando marcou impressionantes 39 pontos em um jogo contra o Praia Clube, líder invicto da competição com 17 vitórias consecutivas e futuro campeão da edição 2017/2018.

Tandara e Tifanny e as reações no Brasil

Apesar de sua trajetória inspiradora no esporte, Tifanny Abreu enfrentou diversos desafios ao longo de sua carreira.

Seu desempenho impressionante no vôlei brasileiro gerou questionamentos sobre a legitimidade de sua presença em quadra, com algumas atletas e clubes alegando que sua força de ataque poderia criar um desequilíbrio.

Essas preocupações têm como base a transição relativamente tardia de Tifanny, realizada aos 29 anos. A crença é que seu desenvolvimento físico como homem na juventude lhe conferiria vantagens de potência e desempenho.

Alguns atletas, como Tandara, que divide com Tifanny o recorde de pontuação única na liga, e a ex-jogadora Ana Paula, medalhista de bronze nas Olimpíadas de 1996, manifestaram publicamente suas opiniões.

Ana Paula chegou a escrever uma carta aberta questionando a autorização de Tifanny para competir no vôlei feminino, destacando a polêmica em torno do tema.

Apesar das críticas e controvérsias, Tifanny continua a lutar por seu espaço no esporte, representando a causa dos atletas transgêneros em todo o mundo.

Os apoiadores de Tifanny no vôlei

O apoio a Tifanny Abreu não veio apenas de suas companheiras de equipe. Jogadoras como Thaís, Desiree e a ex-líbero Fabi também se manifestaram em sua defesa.

Essas atletas destacam que Tifanny está em conformidade com os parâmetros estabelecidos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) e pela Federação Internacional de Voleibol (FIVB), que incluem o tempo mínimo de transição e níveis aceitáveis de testosterona no sangue.

Além disso, a transição de Tifanny é vista como uma forma de eliminar possíveis vantagens físicas associadas a atletas transgêneros. Em 2017, o técnico do Golem Palmi revelou que Tifanny havia perdido cerca de 30% de sua potência original.

Ela mesma relatou sentir-se mais cansada e com um tempo de recuperação mais longo, com uma queda estatística em seu desempenho desde sua estreia: de 22 pontos por jogo em 2017 para 12 pontos em 2018/2019.

Na Superliga 2019/2020, Tifanny foi classificada como a 17ª melhor pontuadora por sets e a 11ª no geral. Mesmo durante a temporada de 2017-2018, quando estabeleceu recordes, seu time, o Bauru, não passou da oitava colocação, em contraste com o quinto lugar na temporada anterior.

Atualmente, Tifanny defende o Osasco, onde continua a ser um dos pilares da equipe desde 2021.

Tifanny, jogadora de vôlei história, preconceito e trans
Tifanny sendo anunciada pelo Osasco na temporada 2023 (Reprodução/Osasco)

O que diz a ciência sobre outras jogadoras transgênero

A ciência ainda não oferece uma resposta definitiva sobre o impacto da presença de atletas transgêneros no esporte de alto nível. A falta de um número significativo de atletas trans em competições de elite torna difícil obter conclusões robustas.

Há argumentos válidos para ambos os lados do debate. A testosterona, reconhecida por seu papel no desenvolvimento corporal e suas propriedades anabólicas, é frequentemente citada por aqueles que questionam a participação de atletas trans.

Por outro lado, pesquisas com corredoras trans revelam que a transição tem impacto na performance. Este processo envolve a administração de estradiol e bloqueadores de testosterona, que reduzem os efeitos da testosterona natural.

No caso de Tifanny Abreu, suas análises anuais mostram níveis de testosterona de 0,2 nmol/L, bem abaixo do limite máximo permitido de 10 nmol/L e da média feminina de 3 nmol/L.

Essa baixa concentração pode explicar a contínua queda em seu desempenho e as dificuldades de recuperação física enfrentadas nos últimos anos.

Tifanny em ação (Divulgação/Osasco)
Tifanny em ação (Divulgação/Osasco)

O desempenho no vôlei

No final das contas, o impressionante desempenho de Tifanny nos primeiros anos no vôlei feminino pode estar ligado à sua experiência prévia na Superliga Masculina.

Os anos de atuação em um nível competitivo alto podem ter contribuído para a sua performance superior, surpreendendo o circuito feminino brasileiro.

A jogadora, até então pouco conhecida na modalidade feminina e com apenas alguns meses de experiência internacional, trouxe um estilo de jogo único, fruto de sua bagagem no vôlei masculino.

Além disso, é possível que os métodos de treinamento do vôlei masculino, historicamente mais avançados, tenham desempenhado um papel importante.

Vale lembrar que o investimento e o desenvolvimento do esporte masculino frequentemente recebem mais atenção, mas isso é um assunto para outro momento.

Após explorar a trajetória de Tifanny e o impacto do movimento trans no vôlei, continue alimentando sua paixão pelo esporte com mais conteúdos exclusivos e atualizados sobre o vôlei: