Em uma entrevista recente ao podcast Ataque Defesa, o auxiliar da Seleção Brasileira de vôlei há 30 anos, Ricardo Tabach, fez uma afirmação que chamou atenção dos fãs do esporte: “Bruninho, se um dia for técnico, pode ser melhor ou igual a Bernardinho”.

A declaração, que destaca as qualidades de Bruninho como jogador, líder e possivelmente um futuro técnico, considera tanto sua experiência no esporte quanto seu entendimento das mudanças emocionais e psicológicas das novas gerações de atletas.

Para entender o que Ricardo Tabach, auxiliar de Bernardinho no Flamengo e na Seleção Brasileira masculina, quis dizer com tal afirmação, relembremos um pouco a trajetória de Bernardo e Bruno na Seleção.

Bernardinho: o “brigão” que revolucionou o vôlei brasileiro

Bernardinho é, sem dúvida, um dos maiores técnicos da história do vôlei, não apenas do Brasil, mas mundialmente. Comandando a Seleção Brasileira Masculina, ele conquistou dois títulos olímpicos (2004 e 2016), além de inúmeros títulos de Liga Mundial, Copa do Mundo e campeonatos mundiais.

Ele também teve uma carreira de sucesso com a Seleção Feminina, onde foi responsável por outras duas medalhas olímpicas (1996 e 2000), além de uma série de outros troféus importantes.

Seu estilo de liderança, conhecido pelo temperamento forte e exigente, fez dele uma figura respeitada e, às vezes, temida. Bernardinho é famoso por sua habilidade em motivar jogadores através de uma abordagem direta e muitas vezes dura.

Esse estilo funcionou de forma excepcional até a geração que conquistou o ouro no Rio de Janeiro, em 2016. Porém, com a chegada de uma nova geração de atletas, cada vez mais emocionalmente sensíveis, seu método começou a ser questionado.

Na própria Olimpíada de 2016, Bruninho falou ao podcast Players On que teve que auxiliar o pai e técnico a dosar a forma de falar com os mais jovens.

Lembro muito bem da conversa que eu tive com meu pai em 2015. Eu já era capitão. Porque ele tinha a mesma maneira de abordar e de cobrar a nova geração, que ele tinha 7 anos antes com o Giba, Murilo, Serginho.

Principalmente com o Lucarelli, que hoje é um líder, que aguenta, mas na época era um pouco mais “sensível” para esse tipo de pressão. Você precisava ser um pouco mais positivo. Não adianta só porrada.

E eu falei: “Cara [Bernardinho], o jeito que você cobrava os caras não é o jeito de hoje, não é assim que vai dar certo”. E ele [Bernardo] fala isso hoje para mim: “Ali você abriu um pouco a minha cabeça, porque eu estava trabalhando naquilo também, em como entender essa geração”.

Bernardinho Seleção Brasileira
Bernardinho fala ao pé do ouvido com Lucarelli durante jogo da Seleção Brasileira masculina de vôlei em Paris 2024 (Divulgação/Volleyball World)

Bruninho: a nova geração com a sabedoria da antiga e a mentalidade nova?

Por outro lado, Bruno Rezende, um dos jogadores mais emblemáticos do vôlei brasileiro e filho de Bernardinho, cresceu dentro do ambiente do vôlei de alto nível e teve a chance de ser treinado por seu pai, além de viver os altos e baixos de um time vitorioso.

Como levantador da Seleção Brasileira, Bruninho conquistou títulos importantes, incluindo o ouro olímpico de 2016. Mas ele também conviveu com nomes de antigas gerações, como Giba, Serginho e André Heller, já que Bruno esteve nas Olimpíadas de Pequim 2008 e Londres 2012, ambas medalhas de prata.

Bruninho Rezende explicou ao podcast Players On como lapidou sua liderança ao longo dos anos.

Tenho uma liderança natural. Devo ter puxado do meu pai. Mas ao longo dos anos podemos trabalhar nossa liderança e achei que isso fosse muito importante para mim. Com o tempo fui melhorando, mas o mais importante não é o que você fala, é o que mostra. É a liderança pelo exemplo. É ali que você realmente vai tocar alguém.

Foi assim que fui tocado. Em 2006, quando cheguei a Seleção, vi Serginho, Giba, André Heller, multicampeões (mundiais e olímpicos), às 7h30 da manhã, treinando defesa, dando peixinho… O mínimo que eu ia fazer era o dobro, porque eu não tinha conquistado nada na minha vida. E isso me marcou. Sem eles falarem nada, me inspiraram.

O que torna Bruninho uma possível referência no futuro do vôlei brasileiro, como técnico, é sua capacidade única de entender tanto as demandas táticas do jogo quanto as necessidades emocionais dos atletas.

Ele jogou em um contexto onde as equipes precisavam lidar com o estilo “brigão” de Bernardinho, mas também presenciou a evolução das novas gerações de jogadores, mais sensíveis e introspectivos, que exigem uma abordagem motivacional diferente.

O que Ricardo Tabach viu em Bruninho para tê-lo como futuro grande técnico do vôlei brasileiro

Ricardo Tabach, auxiliar técnico da Seleção Brasileira de vôlei, destaca justamente a habilidade de Bruninho em entender essas diferenças geracionais. Ele acredita que o jogador tem um potencial enorme para ser, no futuro, um grande técnico.

Bruninho é um dos caras que, se um dia quiser ser técnico, tenho certeza que pode ser melhor ou igual a Bernardinho, por tudo que ele entende de voleibol e do lado humano.

A questão das gerações é central para essa análise. Bruninho fez parte de três gerações diferentes da Seleção Brasileira. A antiga, na qual ele era o mais novo, sua geração, quando jogava ao lado de atletas da mesma safra, e sendo veterano da geração de Paris 2024.

Assim, desenvolveu a capacidade de se comunicar de maneira eficaz com jogadores de diferentes perfis psicológicos e emocionais, conhecendo a intensidade e a cobrança do estilo de Bernardinho, mas também sabe como lidar com os novos atletas, mais suscetíveis a questões emocionais e motivacionais.

Sua habilidade de liderar e entender o lado humano dos atletas pode ser seu maior diferencial, especialmente em um momento em que o voleibol está mudando em termos de dinâmica de grupo e estratégias de motivação.

A sabedoria de Bruninho para lidar com três gerações distintas do vôlei

O próprio Bruninho já falou sobre esse trabalho mental transicional entre as gerações ao podcast Players On. Em resumo, ele afirmou que a geração até 2012 tinha uma carga alta de cobrança, com xingamentos motivacionais; a segunda geração (2012-2020) mesclava o jeito brigão com um pouco de sensibilidade e a geração atual é bem mais emocional.

É um trabalho que eu comecei ao longo dos anos através do meu trabalho mental que comecei depois de Londres, e me ajudou muito em relação a isso, lidar melhor com cada pessoa que eu tinha do meu lado, porque o líder é isso: saber lidar com cada um, não somos iguais.

Acredito que, em relação à geração, é exatamente isso. Eu entrei numa geração (2006-2012) que era uma carga alta o tempo todo, você errou, é porrada no seu peito: “E aí, não vai reagir?!”. Era cobrança o tempo inteiro, se xingando e tal, e as pessoas reagiam para isso.

Na segunda geração (2012-2020) já era um pouco diferente e isso faz parte. O mundo e as pessoas mudam e temos que saber lidar com isso. Um bom exemplo é em 2015, quando meu pai ainda tinha a mesma maneira de abordar e de cobrar que ele tinha 7 anos antes e alguns atletas na época eram um pouco mais sensíveis.

Hoje [terceira geração, 2020-2024] mudou ainda mais. Tem inúmeras outras nuances, o lance das redes sociais. Temos que ser muito tranquilos em relação a isso e trabalhar cada vez mais essa parte mental para saber como cobrar a pessoa do seu lado.

Bruninho em 2008 x 2016 x 2024
Bruninho em 2008 x 2016 x 2024 (CBV)

Bruninho pode ser um grande técnico no futuro?

Se Bruninho seguir a carreira de técnico, ele pode trazer uma abordagem renovada e ainda mais eficaz para a Seleção Brasileira? É uma pergunta que só o tempo dirá, afinal, o levantador ainda joga e não fala sobre aposentadoria ou se será treinador.

Seu conhecimento técnico, combinado com uma visão mais empática e moderna da liderança, pode ser o que o vôlei nacional precisa para continuar no topo, enfrentando as exigências de uma nova geração de atletas.

Enquanto Bernardinho continuará sendo uma lenda do esporte, o futuro pode reservar a Bruninho o papel de transformar o time para as próximas gerações, unindo tradição e inovação de maneira única. Por fim, quem imagina que o lado Rezende da força e do trabalho seria deixado de lado, está enganado. Há muito de Bernardinho em Bruninho:

As pessoas têm que ter essa mente aberta para lidar cada vez melhor com isso [sensibilidade e lado mental]. Não tem certo ou errado, mas tem valores que não são negociáveis: dedicação, sacrifício e profissionalismo.

Então, se você chegou na Seleção, tem que se dedicar 100%. Claro, cada um tem suas escolhas, mas dedicação, comprometimento e essa filosofia de trabalho árduo, isso não pode faltar, isso é inegociável. Acho que isso faz um time ter sucesso.