O vôlei brasileiro sempre teve dois pilares: Bernardinho, com seu comando quase militar e histórico de títulos olímpicos e mundiais, e Zé Roberto Guimarães, aparentemente mais paciente, estratégico, mestre na arte de renovar sem perder o topo.
Em 2025, porém, essa hegemonia histórica se mostra frágil. O masculino experimenta umas das piores fases: 17º lugar no Mundial Masculino e resultados aquém do esperado nas categorias de base, enquanto o feminino mantém brilho, mas começa a sentir o peso da transição entre veteranas e novas promessas.
Em uma reportagem exclusiva, o Esportelândia ouviu Paulinho Milagres, Serginho Nogueira e Delicélio Rodrigues, três vozes experientes que ajudam a entender os dilemas atuais do vôlei nacional. Mais do que questões técnicas, os especialistas apontam que política, relacionamento e gestão pesam tanto quanto a qualidade dos atletas.
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O vôlei brasileiro diante do espelho: crise no masculino e respiro no feminino
O Mundial Masculino de 2025 foi, para muitos, um choque de realidade. Após décadas dominando as quadras internacionais — ouro em Atenas 2004 e Rio 2016, títulos mundiais e incontáveis vitórias pelo mundo — a Seleção Brasileira terminou em 17º lugar. Historicamente, o Brasil nunca havia ficado tão abaixo no ranking de um campeonato mundial adulto.
As categorias de base seguiram a mesma linha: no Mundial Sub-21, a Seleção terminou em 18º lugar; no Mundial Sub-19, em 10º. Resultados que acendem sinais de alerta e reforçam a fragilidade de um processo de renovação mal planejado.
Enquanto isso, o feminino preservou algumas veteranas para fazer uma transição natural e terminou o Mundial Adulto 2025 em 3º lugar, a VNL 2025 em 2º, Sub-21 em 3º e Sub-19 na 8ª posição. Apesar de positivo, o cenário exige atenção: novas líderes terão que emergir rapidamente.
Networking pesa mais que mérito na CBV?
Antes de mais nada, os três personagens entrevistados pelo Esportelândia — Paulinho Milagres, Serginho Nogueira e Delicélio Rodrigues — têm histórias totalmente distintas, mas com um ponto em comum: nunca tiveram a chance real de defender a Seleção Brasileira, seja como técnico ou jogador, mesmo tendo currículos impressionantes.
Paulo Milagres, técnico da Seleção de Camarões e vencedor de títulos em todas as categorias de base no Brasil, analisa o cenário com olhar clínico. Segundo ele, existe um círculo fechado dentro da CBV e, mesmo com muito estudo e resultados, o networking ainda é mais importante.
No Brasil, sabemos bem como funciona: Bernardinho e Zé Roberto têm grupos muito fechados. Eu não tinha padrinhos. Entrei nesse meio pela raça e pelo trabalho. É preciso estudar, aprender e mostrar resultado.
Ganhar títulos em todas as categorias me deu uma capacidade de adaptação muito grande, mas nunca recebi um convite da CBV para trabalhar nas seleções de base.
Serginho Nogueira, maior campeão da história da Superliga Masculina, confirma a política dentro da Seleção. Ele sentiu na pele enquanto jogador o peso da falta de relacionamento, mas sem vitimização.
Quando percebi que Seleção não era para mim, segui em frente. O problema nunca foi a concorrência com o Escadinha, mas todos os líderes passaram por lá e, mesmo eu sendo vencedor, não me chamaram. E não foi só o Bernardinho.
Pensei que ganhando tudo eu automaticamente estaria lá. Mas não é assim que funciona. Faltou relacionar. Hoje, nada mudou e acho que não mudará tão cedo. Vai ser a vida inteira assim. Já dizia um amigo meu, um filósofo carioca: só reclama da panela quem não está nela.
Pesquisa aponta que 85% dos contratados são por networking
Uma pesquisa feita pela empresa Performance-based Hiring Learning Systems, validada pela Harvard Business Review, revelou que cerca de 85% de todos os empregos são preenchidos por meio de networking, restando apenas 15% para habilidade técnica e trabalho árduo.
Formado em Educação Física, com pós-graduação, cursos da CBV e certificações internacionais, Paulinho observa que há muito espaço para ex-atletas vencedores, famosos ou bem relacionados do que para os que estudaram para a função.
Tanto no Brasil quanto fora, vejo treinadores sem o preparo necessário, ocupando espaços simplesmente por serem ex-jogadores com nome. Muitos não estudaram o suficiente, não se atualizaram e, mesmo assim, são escolhidos para cargos importantes.
Infelizmente, há muitos treinadores em clubes grandes que são fracos de trabalho e sinto muito em dizer isso. A escola brasileira de vôlei sempre foi vitoriosa, mas faz tempo que não alcançamos os resultados que nos acostumamos a ver.
Ainda estou na luta, buscando reconhecimento. Acredito que posso chegar na Seleção, mas envolve uma combinação de fatores: trabalho, resultado, networking e política.
Serginho complementa o raciocínio com uma provocação. Segundo ele, isso não é algo que acontece apenas no vôlei, mas é um sistema. Não importa o quão bom você seja se não souber se relacionar.
Não dá para romantizar e pensar que só porque você é bom vai chegar lá. Se você não tiver alguém que te apoie, um grupo forte para te sustentar, você provavelmente vai ficar pelo caminho. E isso não é exclusivo do vôlei. É no futebol, na política, na empresa, na vida.
Grupos fechados e a dificuldade de mostrar trabalho na base
A perda recente da liderança da equipe masculina é fruto não só da renovação precoce e mal planejada, mas também de fatores invisíveis ao público: relações de poder, política de seleção, afinidades e histórico dentro da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), como comenta Paulo Milagres.
Quando Zé Roberto e Bernardinho deixarem a Seleção, será uma mudança muito difícil. Quem vier depois precisa ter perfil completo: conhecimento técnico, experiência e, claro, relacionamento. Sem isso, mesmo talento não garante nada.
A base sempre foi a alma do voleibol brasileiro. Hoje, muitos treinadores competentes não têm chance de mostrar trabalho porque o sistema privilegia quem já está dentro do círculo de relacionamento.
Delicélio Rodrigues, um dos treinadores que mais revelou talentos na base brasileira, já tendo lapidado nomes como Gabi Guimarães, Sheilla Castro, Carolana e Érika Coimbra reforça que nunca teve como ambição de chegar à Seleção Brasileira de base.
Meu grande prazer é trabalhar com vôlei e estou muito satisfeito atuando em clubes. Uma Seleção Brasileira de base envolve muitos fatores, exige abrir mão de muita coisa e, no momento, não vejo isso como uma ambição minha.
A Seleção Brasileira é um patamar muito bom, mas a forma como você chega lá é um caminho complicado. Há excelentes profissionais trabalhando nas categorias de base do Brasil que nunca foram convidados a assumir essas oportunidades. Tudo bem, vida que segue.
O futuro da Seleção Brasileira de Bernardinho e Zé Roberto na base
As categorias de base no Brasil ainda não estão estruturadas como em outros países. O sistema esportivo brasileiro não dá o apoio necessário, apesar de existir. Por exemplo, José Roberto Guimarães tira dinheiro do próprio bolso todos os anos para investir no Barueri, seu projeto, e empregar e revelar atletas. Paulo Milagres explica:
Zé Roberto fala muito sobre base e ele tem razão. Temos coisas no Brasil que não conseguimos explicar. Um país com tanto potencial, mas escasso em saúde, a educação… o esporte vem na sequência, e vejo que falta apoio.
Precisamos de investimento consistente e visão de longo prazo. Falta esse tempo de lapidação, porque no Brasil tudo é mais difícil. O dinheiro que era para dividir entre A, B e C, vai até o Z. Precisamos criar uma cultura de educação e responsabilidade de quem está à frente da gestão.
Além disso, a constante troca de nomes e cidades dos clubes prejudica a criação de identidade e fidelidade do público, o que agrava ainda mais a situação. A paixão e a presença constante da torcida de lugares como Osasco mostram que é possível criar uma conexão forte com o esporte.
Falta identidade. Talvez falte isso em algumas cidades, escolher uma modalidade e abraçar este esporte, criar esta cultura. Deveria ter nas regras esportivas, como aconteceu com o futebol feminino, de clubes de futebol serem obrigados a investir em outras modalidades, como o vôlei.
O futebol é um problema na gestão dos demais esportes no Brasil
No Brasil existem poucos clubes que se pode dizer que investem 100% do seu tempo em esportes olímpicos sem ter futebol. Minas Tênis Clube, Praia Clube, Pinheiros e Paulistano são alguns exemplos. Há clubes que investem em vários esportes juntamente com o futebol, como Flamengo e Corinthians.
De modo geral, os projetos fora do futebol costumam receber baixo investimento. Muitas vezes, contam apenas com o nome de um grande time chancelando o clube menor por meio de parcerias. Em diversos casos, essas iniciativas acabam tendo seus recursos cortados e a modalidade, descontinuada. O problema é alertado por Paulo Milagres.
Seria muito barato para um clube de futebol manter uma equipe de vôlei ou basquete. O investimento é muito baixo, especialmente se compararmos com o salário de um jogador de futebol.
Um salário mensal de um jogador de futebol, nem precisa ser o mais caro, mantém uma equipe de vôlei durante toda a temporada, que dura cerca de 10 meses. No aspecto financeiro, seria bem tranquilo manter um time de vôlei.
O São Paulo FC investiu no vôlei do Barueri e em um time próprio de basquete e encerrou. Fico muito triste porque, para mim, o Brasil é o país do futebol, sim, mas também é o país do vôlei.
Ex-ministra do esporte, Ana Moser revelou o problema estrutural na base do esporte no Brasil
A ex-ministra do esporte, Ana Moser, medalhista olímpica de vôlei, comentou ao programa Entre Vistas, do jornalista Juca Kfouri, em 2023, sobre o problema que o futebol acaba trazendo, indiretamente, para os demais esportes no Brasil.
A questão muito forte que tem que ser tratada é com relação ao trabalho infantil. Muitas categorias de base do futebol de times grandes trazem crianças e jovens dos interiores, mas seria mais saudável que esses jovens ficassem próximos a sua famílias, no interior.
Ou seja, criar uma cultura esportiva espalhada pelo Brasil inteiro, ampliando a prática, com estruturas organizadas e qualificadas, campeonatos mais fortes acontecendo em todo o país. Isso é um problema para os atletas de futebol e para a estrutura dos clubes.
O caminho para tudo é ampliar a base de prática esportiva e ampliar as estruturas. Nos Estados Unidos tem times em cada High School, cada universidade. Mudando essa realidade, vai mudar o esporte como um todo no Brasil.
Por que a Seleção Brasileira masculina caiu tanto de rendimento?
O Brasil passa pelo processo de renovação na Seleção Masculina. Enquanto a feminina preservou algumas veteranas para fazer uma transição natural, o time de Bernardinho enfrentou o choque geracional e falhas na integração de novos talentos. Em contrapartida, seleções da Europa e a Ásia aceleraram taticamente.
A Seleção Feminina ainda pode se manter no topo?
Sim, mas depende de acelerar a renovação. Veteranas fornecem experiência, como Gabi Guimarães, Rosamaria, Roberta e Macris, mas a sustentação do time nas próximas competições exigirá novos líderes capazes de enfrentar equipes mais experientes, como Itália, maior pesadelo da atualidade.
Existe um grupo fechado na CBV?
Não é possível cravar que haja grupo fechado na CBV. Apesar de Bernardinho e Zé Roberto estarem na Seleção há quase 3 décadas, com pequenas mudanças, no geral, são bem-vistos pela presidência. Bruno Voloch, jornalista que cobre vôlei há mais de 30 anos, acredita que existe uma enorme politicageme e comentou isso em seu blog no O Tempo:
A gestão liderada por Radamés Lattari simplesmente acabou com tudo, da base ao adulto, que foi construído pelos antecessores. Mas já imaginou se a CBV fosse uma entidade séria?
Radamés e sua incompetente diretoria provavelmente seriam cobrados publicamente, investigados pelos Presidentes de Federações (90% parceiros) e certamente pelos órgãos superiores.
A avalanche de derrotas exigiria mudanças e demissões em massa por todas as áreas nas seleções e corredores da CBV. Não há resultado, mas não há cobrança.
Nada acontece porque Radamés não tem moral, poder e principalmente conhecimento de causa. E quem poderia agir, investigar e exigir mudanças está no mesmo barco.
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