A história de Delicélio Rodrigues Júnior é uma daquelas que mostram que o vôlei brasileiro é muito maior do que títulos e medalhas. Nascido no Vale do Jequitinhonha, ele transformou sua vida através da bola e, mais do que isso, mudou a vida de centenas de jovens atletas, como Gabi Guimarães.
Com simplicidade e humildade, construiu uma carreira de mais de 35 anos dedicados à formação. Revelou nomes como Gabi, Sheilla Castro, Carolana, Mara Leão, Lorenne, Érika Coimbra e muitas outras craques, mas nunca teve como ambição de ser famoso, nunca buscou os holofotes ou uma Seleção Brasileira.
Sua missão sempre foi outra: ensinar, acolher e acreditar enquanto ninguém soubesse a estrela que você se tornaria. Para ele, sua função é ajudar atletas de base a se desenvolverem da melhor forma possível, seja na parte técnica, tática, psicológica ou humana. Conheça o mestre do vôlei.
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Entrevista com Delicélio, o mestre de Gabi Guimarães, lapidador de diamantes de Pedra Azul-MG
Delicélio Rodrigues Júnior cresceu em Pedra Azul, no Vale do Jequitinhonha, no interior de Minas, e ficou lá até os 14 anos, quando se mudou para Belo Horizonte. O destino parecia comum: terminar os estudos, arrumar um emprego. Mas o vôlei cruzou seu caminho no Olympico e no Minas.
Quando entrei na faculdade de Educação Física na UFMG, comecei a trabalhar com vôlei. No início, era nas escolinhas dos colégios. Aos poucos fui assumindo responsabilidades em times de vôlei escolar.
Logo percebeu que havia espaço para crescimento e o voleibol escolar limitaria suas habilidades. Então, começou a procurar trabalho em clubes, pois sabia que o trabalho de formação em clubes oferecia uma qualidade superior ao do meio escolar, onde poderia transformar vidas.
Um amigo trabalhava no Mackenzie Sport Clube e me ofereceu uma oportunidade para trabalhar com iniciantes no vôlei. Confesso que queria um clube mais humilde para começar, mas aceitei a proposta. Fiquei no Mackenzie por 28 anos e estou há 7 anos no Olympico.

O Mackenzie e a escola de campeãs formadas por Delicélio
Em 1989, Delicélio chegou ao Mackenzie Sport Club, onde ficaria por quase 30 anos. Ali, encontrou um terreno fértil para aplicar sua filosofia.
Foram anos de muitas alegrias e alguns desafios. Conseguimos revelar atletas de altíssimo nível. Minha maior motivação sempre foi revelar atletas com grande potencial, mais do que buscar vitórias a qualquer custo. Minha maior satisfação está em ver jogadores alcançando altos níveis, como a Gabi, destaque no vôlei mundial.
Foi no Mackenzie que ele conheceu uma menina chamada Gabriela Braga Guimarães. Mas, antes dela, ele já havia lapidado outros diamantes para a Seleção Brasileira, tanto para Bernardinho quanto para Zé Roberto Guimarães.
A primeira grande atleta que tivemos no nosso trabalho de formação foi a Erika Coimbra. Foi eleita a melhor atacante do mundo em um campeonato infantil e teve grande destaque, principalmente no primeiro time do Bernardinho.
Depois, tivemos a Sheilla Castro, que também foi considerada a melhor jogadora do mundo, campeã olímpica em 2008 e 2012. Ela teve uma longa trajetória longa na base e se destacou muito. Trabalhei com muitas jogadoras talentosas.
Nem todas chegaram ao nível internacional, mas foram grandes atletas e motivo de orgulho. Não podemos valorizar apenas aquelas que chegaram a patamares mais altos. Vôlei é trabalho coletivo e se uma brilhou, cada uma dessas jogadoras teve sua importância.
O capítulo Gabi Guimarães na vida do treinador Delicélio
Gabi Guimarães foi um capítulo a parte na vida de Delicélio. O treinador contou bastidores do início da menina Gabriela no Mackenzie após ser rejeitada em uma peneira no rival, Minas Tênis Clube:
Quando Gabi chegou, com 14 anos, era apenas mais uma jogadora, sem nada de excepcional. Já tinha jogado futebol e tênis, tendo uma excelente base técnica e física, que faz diferença no desenvolvimento motor. Em menos de 1 ano começou a brilhar em nível estadual e logo em seguida nacional.
Com 17 anos, estava brilhando contra times profissionais. A Gabi é um case sem parâmetro. Atingiu um nível mundial que, sinceramente, não sei se outro atleta brasileiro chegou a esse patamar no vôlei.
Mas o ex-comandante do Mackenzie não atribui apenas a si o desenvolvimento de Gabi. Segundo ele, o papel de formador, do empurrão inicial dele, deve ter contribuído uns 30% para a ponteira. Porém, muitos fatores influenciaram, como ambiente, talento e muitas outras pessoas:
A Gabi estava em um clube muito bom, o Mackenzie, que teve foi fundamental nessa trajetória. Lá, conhecemos pessoas incríveis, como o Luís, que era diretor. Minha contribuição, eu diria uns 30%. Se não fosse comigo, provavelmente seria com outro profissional.
Ao longo do tempo, o Zé Roberto, o (Stefano) Lavarini, e outros grandes técnicos também tiveram papel importante. O sucesso não é obra de uma única pessoa. São várias pessoas que contribuem para acabar dando certo.

O reconhecimento de Gabi Guimarães a Delicélio
Em entrevista ao Esportelândia, o treinador ficou emocionado ao saber que Gabi Guimarães – que trabalhou com os melhores técnicos da história do vôlei mundial – falou seu nome ao responder à pergunta de melhor técnico da carreira dela:
Quando a Gabi chegou eu dei aquela oportunidade de coração aberto e ela só cresceu. Talvez, poderia ser outro profissional e não tivesse conseguido ter a sorte de fazer esse trabalho tão bem feito como fiz.
Semprei trabalhei em busca desse reconhecimento, mas não espero que façam isso. Felizmente, vários atletas têm essa delicadeza de mostrar gratidão e dizer: “Esse cara me ajudou”.
A Gabi Guimarães tem essa grandeza, essa capacidade de reconhecer. Isso vale mais que qualquer troféu ou medalha que eu tenho aqui na minha casa, vale muito mais.
Além de reconhecer o treinador publicamente, exaltando sua importância na formação, a atleta faz ainda mais. Segundo relatado pelo próprio Delicélio ao Esportelândia, Gabi falou com ele após sua medalha olímpica:
Mantemos esse contato. Quando ela ganhou a medalha olímpica, me mandou uma mensagem mostrando a medalha e agradecendo. Recentemente, ela me ligou e disse que, talvez, quando voltar do Mundial, possamos nos encontrar e bater um papo.
O maior motivo de orgulho em relação à Gabi foi o dia em que a recebi, e recebi bem, com o coração aberto. E fiz o meu trabalho. Dei aquele empurrão, lapidação inicial, a ajuda que ela precisava. E ela soube aproveitar. Meu maior prazer é poder ajudar.
🏐🇧🇷 Gabi Guimarães elegeu Delicélio Rodrigues Júnior, seu primeiro treinador, como o melhor da sua carreira. Mas ele nem imaginava que ela diria isso, nem nunca esperou tal reconhecimento. Essa foi a reação de Delicélio ao descobrir. 😭https://t.co/fVpL7V9g7c pic.twitter.com/oPjlMSBzqv
— Esportelândia 🏅 (@esportelandia) September 3, 2025
O segredo de Delicélio para formar tantas atletas de excelência no vôlei feminino: “Não é ciência, é feeling”
Grande mestre da base e formador de atletas com excelência, Delicélio Rodrigues não tem um método perfeito para encontrar talentos. Segundo o treinador, não existe uma ciência que faça isso, é feeling e paciência.
Não podemos apressar um diagnóstico, é importante dar tempo. Não é uma ciência exata. Tem que ser mais no “feeling”, na intuição do treinador. Você percebe quando o atleta tem afinidade com o ambiente, gosta do desafio, não sente a pressão nos momentos decisivos como os outros.
É preciso de 1 ou 2 anos, até mais, para perceber realmente o potencial para brilhar. Um exemplo disso é o Kaio Jorge, do Cruzeiro. Santos, Juventus, sem grande brilho. Veio brilhar agora, no Cruzeiro. Às vezes, um atleta só se revela em determinado momento.
Por outro lado, Delicélio também é cético ao dizer que grandes atletas não caem do seu. Além do feeling, não dá para esperar o jogador bater na porta do clube, como aconteceu com Gabi Guimarães. Em muitos casos, precisa de indicações e bons contatos.
Encontrar um grande atleta não é algo fácil. Não cai do céu. Você tem que procurar, estar bem conectado, ter um círculo de amizades grande com profissionais em várias regiões. Isso amplia as chances de encontrar um talento.
Uma história interessante: a Mara Leão (central) foi descoberta em um restaurante popular, aqui de Belo Horizonte, por uma ex-atleta minha, que me ligou e falou: “Tem uma menina aqui, 1,80m, 14 anos, vamos dar uma oportunidade”. E foi assim que ela surgiu.
É fundamental estar com a porta aberta e ter um ambiente acolhedor. Tem que estar atento para buscar talentos de várias regiões e classes sociais também. A maioria dos atletas vem da periferia, mas existem os que vêm de famílias ricas.

Por que Delicélio é tão bom treinador nas categorias de base?
O que define Delicélio como um grande descobridor de talentos nas categorias de base do Brasil é o resultado do trabalho, não necessariamente os títulos. Com humildade, carinho pelas atletas, tato no tratamento e, acima de tudo, dedicação à profissão, se tornou mestre do desenvolvimento:
Quando os atletas começam a brilhar e a conquistar espaços maiores, é reflexo de um bom trabalho. Se ninguém se destaca, é um sinal de que algo precisa ser revisto. O que chancela o trabalho do treinador é o brilho dos atletas. Quando elogiam meus atletas, sei que estou no caminho certo.
Ninguém chega a lugar nenhum sozinho. O atleta precisa do treinador em muitos aspectos: mentais, psicológicos, táticos e técnicos. Minha influência vai além do treino. Feedback da comunidade é fundamental. Como atletas, pais, colegas, clubes e diretores te veem? Se reconhecem e valorizam, está na direção certa.
O desafio de abdicar de títulos pela formação de atletas
Delicélio deixou de lado o sonho de todo treinador: galgar degraus nas mais diferentes categorias ou clubes até a chegada ao profissional. O técnico não almeja dirigir um clube no adulto. Ele está mais do que satisfeito formando atletas e trabalhando com crianças e adolescentes:

O olhar para além do óbvio
Se muitos treinadores se preocupavam somente em escalar as mais altas no meio de rede para bloquear melhor e ganhar jogos, Delicélio enxerga além. Para ele, sempre foi mais importante dar rodagem às meninas para se descobrirem:
Eu nunca quis especializar atletas cedo demais. O atleta precisa jogar em várias posições, sentir o jogo, ganhar repertório. Quem pensa só em ganhar hoje, na base, pode estar matando uma jogadora de amanhã.
Dê oportunidades em várias funções e vá ampliando suas habilidades. Isso só beneficia o desenvolvimento a longo prazo. Aos 14 ou 15 anos, já pode começar a definir, pois um atleta profissional geralmente só alcança um alto nível entre 20 e 23 anos.
Esse olhar fez a diferença em várias carreiras. E foi decisivo para que Gabi Guimarães se tornasse uma das mais completas ponteiras do mundo. Delicélio cria suas atletas para o mundo, como filhas:
Quem é treinador – ou pai – sabe: filhos e atletas não são nossos. São do mundo. Quando a Gabi foi para o time do Bernardinho, ela já tinha feito tudo que podia no nosso nível. Ver ela seguir em frente era pura alegria. Ver ela brilhar, um prazer imenso.
A verdade é que não formamos atletas para nós. Formamos para que eles brilhem onde for melhor para eles. Não dá pra pensar: “Tenho um amigo naquele clube, vou mandar o atleta pra lá”. Isso não funciona.
Precisamos escolher o lugar que ofereça as melhores condições para o seu crescimentoa. Tem clube grande, cheio de dinheiro, que contrata profissional caro e deixa o jovem de lado. E tem clube menor que vira o lugar perfeito para ele evoluir.

O que as grandes estrelas têm em comum? Delicélio responde
Ele revelou grandes nomes do vôlei feminino nas últimas décadas e se tornou um mestre da base. Mas o que essas grandes estrelas tem em comum?
Uma boa condição física é inegável, juntamente com uma força mental inabalável. Dificilmente alguém com uma mente frágil se torna um grande atleta, pois todos vão passar por pressão.
Altura é importante, mas algumas jogadoras sem tanta altura conseguem se destacar pela agilidade e velocidade. No fim, a força mental parece ser o ponto em comum.
Para quem pensa que Delicélio se deu por satisfeito com as estrelas que revelou se engana. O papel de formador é o dom desse treinador mineiro, mas sua vocação tem uma ambição, e não é chegar à Seleção Brasileira: é a próxima estrela.
A ambição nunca acaba. Enquanto estamos trabalhando com as adolescentes, seguimos em busca da próxima estrela. Temos que ter sempre esse foco em aprimorar a qualidade do nosso elenco.
Hoje, no Olympico, estamos em um patamar muito bom. Estamos competindo de igual para igual com clubes como o Minas Tênis Clube e o Mackenzie Sport Club, que são grandes aqui em Belo Horizonte e Minas Gerais.
Esse compromisso com a formação nunca pode diminuir. Todo ano surgem novas pessoas com o sonho de ser jogadora de vôlei, de brilhar e ser um grande atleta. Nós estamos preparados para recebê-las e fazer o nosso melhor.

Seleção Brasileira? Não, obrigado!
Ao contrário do que muitos poderiam esperar, Delicélio nunca sonhou em ser técnico de Seleção de base. Para ele, não é questão de falta de ambição, é identidade. O treinador acredita ter um caminho complicado até a CBV, como ser vitorioso, conquistar títulos, o que para ele não é a função do formador:
Meu grande prazer está aqui, no clube. Tenho 50, 60 meninas todos os dias. Esse é o meu palco. No momento, não vejo Seleção como uma ambição. É um patamar muito bom, mas a forma como você chega lá é um caminho complicado. Muitas vezes, exige abrir mão de muita coisa.
Há grandes profissionais nas categorias de base do Brasil que não foram convidados a assumir essas oportunidades. Vida que segue. O importante é buscar o melhor para o esporte no Brasil. Esse é o nosso papel, a nossa missão.
Quem é Delicélio Rodrigues Júnior?
Treinador mineiro, com mais de 35 anos dedicados ao vôlei de base, Delicélio Rodrigues Júnior passou 28 anos no Mackenzie e, desde 2018, está no Olympico Clube. Especialista em formação de jogadoras, revelou nomes como Érika Coimbra, Sheilla Castro, Gabi Guimarães, Mara Leão, Suelen, Carolana e Lorenne.
Quem é Gabi Guimarães no vôlei mundial?
Gabi é capitã da Seleção Brasileira e uma das melhores ponteiras do mundo. Revelada por Delicélio, construiu carreira no Brasil e na Europa, sendo referência técnica e de liderança.
Por que Delicélio nunca quis dirigir a Seleção Brasileira?
Segundo ele, sua missão sempre foi formar. Trabalhar diariamente com dezenas de jovens atletas lhe dá mais prazer do que buscar cargos na Seleção.
Para Delicélio, treinar uma Seleção é para quem almeja resultados, títulos, campeonatos. Para ele, a formação de base é o mais importante.
Lista de jogadoras reveladas por Delicélio
- Adria Júlia Silva (central)
- Anna Clara Molinari (líbero)
- Anna Cláudia (oposta)
- Arianne Tolentino (oposta)
- Carla Santos (ponteira)
- Carolana (central)
- Cintia Lorena (ponteira)
- Érika Coimbra (ponteira)
- Gabriela Guimarães (ponteira)
- Glayce Vasconcelos (ponteira)
- Jordane Tolentino (levantadora)
- Kelly Gomes (central)
- Kimberlly Gomes (oposta)
- Lara Molinari (líbero)
- Larissa Gongra (central)
- Larissa Reis (levantadora)
- Lorenne Teixeira (oposta)
- Luísa Melloni (levantadora)
- Mara Leão (central)
- Mayra Souza (ponteira)
- Pri Heldes (levantadora)
- Sheilla Castro (oposta)
- Suelen Pinto (líbero)
- Tássia Silva (líbero)
- Thaisinha Souza (ponteira)
- Thaynã Moraes (levantadora)
- Viviane Goes (central)
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