O nível de domínio nacional alcançado pela Juventus de Cristiano Ronaldo é tão grande que uma temporada em que o time conquista “apenas” o Campeonato Italiano é considerada abaixo das expectativas.

Tanto foi que, no dia seguinte da eliminação nas oitavas de final da Liga dos Campeões 2019/20, o técnico Maurizio Sarri foi demitido.

Longe, porém, de um imediatismo à brasileira ou preciosismo e soberba de um clube hegemônico. A crônica esportiva já vinha criticando o nível de atuação da equipe e os números na Serie A complementam essa visão de uma má temporada.

A campanha de 2019/20 foi, dentro da atual sequência do eneacampeonato, a de menor número de pontos (83) — e olha que o título foi conquistado com duas rodadas de antecedência.

O domínio dos outros anos também passou longe. A Velha Senhora não teve o melhor ataque da competição tampouco a melhor defesa. Também não teve o artilheiro nem o principal assistente.

Como o título italiano foi conquistado, então? Um olhar analítico sobre o “mapa de gols” da Juventus ajuda a entender a campanha no Campeonato Italiano e, por consequência, toda a temporada em si.

A análise da produção ofensiva juventina mostra o tamanho da contribuição de Cristiano Ronaldo e o quanto — e onde — o “Sarrismo” falhou.

Os gols da Juventus no Campeonato Italiano

Uma prova de como os números podem ser enganosos é que a Juventus marcou 76 gols na Serie A 2019/20, um número acima da sua média dos últimos 8 campeonatos, que beirou os 75 gols por edição.

A questão é que, indo mais a fundo, a maneira como os gols foram feitos denotam uma discordância com o trabalho de Maurizio Sarri, ou pelo menos das características que o levaram ao comando da equipe.

O Sarrismo e a busca da Juventus pela Champions League

Desde o vice-campeonato da Champions League 2014/15, a Juventus convivia com o debate, tanto o interno da diretoria quanto o externo da mídia, entre o seu domínio nacional e a sua “impotência” internacional.

O segundo vice europeu do ciclo, em 2017, esquentou a discussão e fez o time italiano agir.

Cristiano Ronaldo, pentacampeão da Champions League, foi trazido para a temporada 2018/2019 e a posterior queda para o Ajax, nas quartas, derrubou o técnico Massimilano Allegri, pentacampeão nacional.

No entendimento da diretoria juventina, o time já tinha liderança, uma base experiente e poder de decisão. Precisava, então, transformar todo esse poderio técnico e moral em domínio dentro de campo.

O sonho do presidente Andrea Agnelli era Pep Guardiola e casar a fome de ambos por um título europeu — o último conquistado pelo espanhol foi em 2012, ainda com o Barcelona —, mas o treinador preferiu buscar a Champions com o Manchester City.

Ao mesmo tempo, Maurizio Sarri vencia a Europa League 2018/19 comandando o Chelsea, e com certo domínio na final contra o rival Arsenal.

O treinador surgia, assim, como um nome interessante.

Primeiro, pelo histórico, isto é, a trabalheira que seu Napoli deu para a Juventus entre 2015 e 2018; depois, pelo seu notório jogo de posse de bola, que de certa forma atualizou o futebol jogando em solo italiano; por fim, a conquista europeia no currículo.

Ainda que a Liga Europa seja uma competição de nível bastante diferente da Liga dos Campeões, o modelo proposto casava com o que queriam os mandatários da Velha Senhora, e o trabalho do treinador podia ser no mínimo uma transição.

A falta de padrão da Juventus de Sarri

Pois bem, ao fim da temporada 2019/20, a Juventus se viu sem título da UCL (e da Supercopa e da Copa da Itália) nem um modelo de jogo que se aproximasse do controle que queria estabelecer em campo.

Dos 76 gols marcados no Italiano, apenas 19 saíram de jogadas construídas com o time posicionado no campo de ataque, o que representa precisamente um quarto do repertório ofensivo do time.

Os outros três quartos foram divididos num empate técnico entre gols de bola parada (28) e de transição (29), isto é, em contra-ataques, seja partindo da defesa ou roubando a bola no campo ofensivo.

O que pode ser lido como um repertório ofensivo, a partir da análise dos gols e com o apoio de outros números, acaba sendo melhor interpretado como falta de padrão.

Maurizio Sarri técnico da Juventus
Maurizio Sarri ficou somente uma temporada no comando da Juventus

A questão defensiva é o melhor exemplo disso.

É possível, por exemplo, ter o controle do jogo sem ter a bola, o que um alto número de gols feitos por transição poderia apontar. O time entrega a bola para o adversário, se posta de maneira segura e, ao menor erro, mata o jogo nos contra-ataques, bem ao estilo Atlético de Madrid de Simeone.

O problema é que o desempenho da defesa do Juventus de Sarri foi o pior da sequência do eneacampeonato. Foram 43 gols sofridos, um número bem acima da média das outras oito edições (26,7).

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Os gols de Cristiano Ronaldo na Juventus

O único padrão visível no ataque da Juventus é a participação de Cristiano Ronaldo.

Em números totais, a contribuição do português é clara. Foram 31 gols em 33 jogos na Serie A 2019/20, o que dá 40% da produção ofensiva.

Se somarmos as cinco assistências distribuídas, o atacante esteve presente diretamente em cerca de 47% dos gols. Praticamente metade do poderio de ataque da Velha Senhora, e olha que o craque não esteve presente em cinco partidas.

Os números relativos apontam de duas uma: ou Sarri sabia o que queria com Cristiano Ronaldo ou o português tomou as rédeas da situação.

Afinal, dos 28 gols nascidos bolas paradas, 13 foram de pênalti, sendo 12 somente do atacante. Nas 29 transições que resultaram em gol, 13 delas terminaram com ele colocando a bola nas redes e outras quatro deixando seus companheiros em condições de marcar.

Por outro lado, dos 18 gols de CR7 com a bola rolando 12 foram assistidos por seus colegas de equipe. Dá para concluir que Sarri no mínimo sabia que o gajo era o caminho para o gol. Mas até aí…

Por que Sarri fracassou na Juventus?

Por mais que as críticas sejam maiores que os elogios, não dá para dizer que o trabalho de Maurizio Sarri foi um desastre completo. O treinador levou o time ao título nacional e teve uma produção ofensiva boa em números totais.

Os 28 gols de bola parada, por exemplo, são influência direta de seu treinamento. Sarri é famoso por sua obsessão com esse tipo de lance e por ter um vasto arsenal de jogadas ensaiadas para diversos momentos, inclusive obrigando seus jogadores a decorá-las a partir de números (jogada nº 1, jogada nº 2 e etc).

Talvez seja exatamente essa compulsão por controle que explique seu fracasso. O italiano se estabeleceu no mercado de “professores” a partir de um trabalho meticuloso, de mecanização das jogadas e sincronia absoluta de movimentos entre defesa, meio e ataque.

Na Juventus, o treinador encontrou bem pouco espaço para sua metodologia.

O clube que assumiu não é só gigante como passava (e ainda passa) por um momento vitorioso, situação bem diferente da que encontrou no Chelsea e no Napoli que, ainda que por motivos diferentes, se apresentavam em transição.

O inflexível Sarri e os atritos com Cristiano Ronaldo

Claro que faltou flexibilidade a Sarri. Para quem conhece a peça, um senhor italiano rabugento e cabeça-dura, é até cômica a frase anterior. Mas o fato é que o técnico não encontrou nos jogadores do elenco as características que marcaram o seu trabalho, especialmente no ataque.

No Napoli, seu trabalho de maior prestígio, ele tinha dois pontas “puros”, capazes de irem da linha lateral à linha de fundo rapidamente e ainda voltarem para recompor a defesa.

Na Juventus ele tinha características completamente opostas com Higuaín, Dybala e Cristiano Ronaldo, de área de atuação mais restrita ao centro e que não aguentam tampouco querem fazer esse vai-e-volta pelos lados.

Esse querer, aliás, finaliza os motivos do insucesso de Sarri.

O italiano não foi capaz de se adaptar à hierarquia da Juventus — tendo atritos constantes com CR7 por deixá-lo no banco ou substituí-lo em momentos importantes — nem à hierarquia técnica da equipe, tendo que subverter o seu esquema aos jogadores ao invés do encaixá-los na sua ideia de jogo.

A queda de Sarri e os gols de Cristiano Ronaldo na Juventus
Ronaldo não gostou de seu posicionamento inicial no esquema de Sarri, como um centroavante. (Getty)

Que nem Zidane: Pirlo, o novo técnico da Juventus

Pouco depois de demitir Sarri, a Juventus anunciou que Andrea Pirlo seria o treinador para a temporada 2020/21. Dias antes, o ex-jogador tinha sido contratado para treinar a categoria sub-23 da Velha Senhora, mas foi rapidamente promovido.

A aposta em Pirlo tem uma movimentação muito similar ao que o Real Madrid fez com Zinedine Zidane. Os Galáticos apostaram nos conhecimentos do francês — tanto do clube, quanto do jogo — e, claro, no diploma de treinador da UEFA.

O italiano tem os mesmos “dotes” daquele que foi o seu rival na final da Copa do Mundo de 2006.

Um ex-volante de invejável visão de jogo, Pirlo foi bicampeão italiano e vice da Liga dos Campeões com a Juve e é mais um aluno formado pela tradicional escola de técnicos italiana, a Coverciano.

A expectativa é que o novo treinador alie o entendimento do jogo com a experiência de clube e opere melhor essa hierarquia técnica da Juventus, algo que Zidane fez com maestria no Tricampeonato Europeu com o Real Madrid.

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*Última atualização em 11 de agosto de 2020