O barulho dos motores não esconde a luta silenciosa que existe fora das pistas. No próximo dia 22 de julho, o Autódromo de Interlagos será mais do que cenário de velocidade, será palco de resistência, inovação e representatividade.
No cenário que já viu Emerson Fittipaldi, Carlos Pace, Nelson Piquet, Ayrton Senna e Felipe Massa vencerem na Fórmula 1 e Rubens Barrichello dar a volta por cima na Stock Car, agora verá outro tipo de superação.
Carol Nunes, a primeira mulher trans a competir oficialmente no automobilismo brasileiro, volta ao circuito com um carro que ela mesma construiu, peça por peça, como quem reconstrói a própria vida. Desafiando o boicote, a deslegitimação sistêmica e o preconceito.
- Receba as notícias em primeira mão em nosso Grupo de WhatsApp, Grupo do Telegram ou Canal de Transmissão!
- Siga o Esportelândia nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram, Bluesky, Threads e LinkedIn.
Carol Nunes busca sua chance no automobilismo e se inspira em Rubens Barrichello
Aos 32 anos, natural de São Paulo, Carol Nunes jamais encontrou um caminho fácil. Desde criança apaixonada por carros, desmontava brinquedos para criar seus próprios protótipos.
Mas transformar essa paixão em profissão, sendo uma mulher trans, exigiu muito mais que talento: exigiu coragem para existir. Em entrevista exclusiva ao Esportelândia, a pilota comentou as dificuldades enfrentadas:
Eu tenho que me provar em dobro. Se erro na pista, dizem que não sei pilotar, que estou ali por cota. Nunca é porque sou competente, tenho talento e sigo acelerando. Porque sei o meu valor. Tenho certeza que começando a correr, as coisas vão acontecer naturalmente. Só preciso de uma oportunidade.
Mais do que competir, Carol Nunes quer abrir portas, deixar um legado. E o seu carro é símbolo disso. Um Ford Fusion – único de competição do mundo – montado na garagem de casa, modificado por ela mesma. Sem patrocínio, sem apoio técnico, somente com estudo, suor e amor por velocidade.
Entretanto, Carol ainda enfrenta as barreiras do preconceito por seu uma mulher trans em um esporte dominado por homens. Segunda ela, é vítima de boicote por parte da comunidade do automobilismo, mas segue lutando:
O maior desafio é o fato de eu ser trans. Gera muito boicote. Perco oportunidades por conta disso. Além de não me ajudarem, ainda tentam me boicotar de alguma forma. Eles não querem uma trans no “esporte deles”.
Como Rubinho Barrichello inspira Carol Nunes?
Se vamos falar de resiliência no automobilismo, o nome de Rubens Barrichello é sinônimo. O piloto, que carregou a carreira toda o peso de ser o substituto de Ayrton Senna na Fórmula 1 mesmo sendo um garoto, também teve que se provar a cada corrida.
Virou meme, piada, foi desacreditado pelo Brasil, mas seguiu firme. Nunca conseguiu vencer em Interlagos na Fórmula 1. Porém, o destino guardou suas vitórias e títulos no Brasil para a Stock Car, de onde vem ressignificando sua história e ganhando ainda mais reconhecimento e respeito de fãs e especialistas.
Mas, além de todo seu poder se levantar frente às adversidades, Barrichello tem um talento para entender o carro que é uma fonte de admiração para Carol Nunes. Sem contar o lado pessoal de Rubens que também encantou a paulistana:
Rubinho Barrichello, que só os títulos dele já provam o quanto ele é incrível no automobilismo, mas, além disso, tem a questão técnica. O conhecimento e a experiência dele é muito fora do normal. Ele dá uma volta no carro e já começa a falar: “A roda traseira direita tá assim e tal…”. Tem um feeling muito absurdo.
Meu sonho é chegar num nível assim, de ter 10% desse feeling. De conseguir perceber tanta coisa e ter uma experiência tão grande que uma volta no carro já é suficiente para entender todas as características. Além disso, ele é uma pessoa incrível dentro e fora das pistas. O relacionamento dele com o Dudu e o Fefo… ele é uma pessoa incrível.
Ver essa foto no Instagram
Carol Nunes teve outra pilota trans como modelo e inspiração
Além de Rubens Barrichello, Carol Nunes mencionou outra ídola: Angie Mead King. CEO de empresas como Car Porn Racing, Classic Speed Inc. e King Tower Farm, a pilota trans das Filipinas serve de espelho: ama carros, compete e representa:
Tenho contato com ela, já falei, participei de um papo no canal dela do YouTube contando a minha história. O fato dela ser trans, casada com uma mulher e mexer nos próprios carros, ter uma empresa de modificação de carros… eu me identifico muito com ela.
Hoje ela tá correndo em categorias menores, ela corre numa categoria que é só de Mazda MX-5 Miata, mas ela já correu de Ferrari, categorias muito maiores. Então, tenho ela como uma inspiração absurda também.
Um carro, um símbolo: a criação de Carol Nunes que desafia o automobilismo tradicional no Track Day & Time Attack
O carro que Carol leva de volta a Interlagos para a disputa do Track Day & Time Attack, no próximo dia 22 de julho, é mais que uma máquina, é a extensão viva de sua trajetória. Um Ford Fusion, comum para muitos, foi transformado por ela em um modelo de corrida único no planeta.
Não veio de fábrica, nem de montadora. Foi montado na garagem, à base de tentativa e erro, com coragem, pesquisa e uma visão própria de performance. Suspensão, aerodinâmica, reforço estrutural, adaptação eletrônica: tudo foi feito com as próprias mãos.
Sem patrocínio, sem formação técnica, mas com uma convicção que não cabia nos boxes, ela disputará o evento, aberto ao público, que conta com pilotos amadores e profissionais mostrando suas capacidades automotivas. Mas Carol precisa se provar o dobro:
Já cansei de ver uma mulher rodando ou batendo e alguém de fora falar: “Tinha que ser mulher”, ou “Era óbvio que isso ia acontecer”, porque, na cabeça deles, mulheres e pessoas LGBT não têm capacidade nem de dirigir, quanto mais pilotar.
A gente tem que se provar em dobro. Se temos um bom desempenho, surgem justificativas: “Ah, porque o carro é bom”, “Ah, mas os outros pilotos são ruins”. Se eu erro, é porque sou trans. Se eu acerto, é sorte. Nunca é porque eu sou boa.
Conquistas e posições de destaque de Carol Nunes no automobilismo
- Vice-campeã da Subida de Montanha em Monte Alegre do Sul (2020)
- Vice-campeã em São Bento do Sapucaí (2021)
- Campeã da Superliga Desportiva de Velocidade (2021)
- Participação na Copa Shell HB20 (2022)
- Campeã do AKSP (Automobilismo Kart São Paulo), em Interlagos (2023)
- Participações contínuas em Track Days desde 2018

A empreendedora que desafia o status quo e sonha grande, como Angie King
Fora das pistas, Carol também comanda um negócio próprio de desenvolvimento de kits aerodinâmicos, uma área em crescimento no mercado global. Sem grandes estruturas, ela desenha, testa e fabrica cada peça.
O objetivo é claro: democratizar a performance e mostrar que é possível competir sem depender de gigantes da indústria. Por outro lado, Carol Nunes sonha em viver do automobilismo e pilotar em grandes categorias.
Meu maior sonho como pilota é viver do automobilismo. Estar em categorias maiores, reconhecidas, como NASCAR, Stock Car, Stock Light, Endurance Brasil, em categorias de turismo.
Quero me preocupar só em pilotar e fazer ativações de patrocinadores, treinar… Gostaria muito de ter uma ajuda, conseguir patrocínio para correr e ganhar visibilidade para entrar em alguma categoria.
Sei que é difícil. Estou desde 2021 correndo atrás. A Drax (empresa de gestão de patrocínio) me deixou de lado. Meu foco hoje está no meu carro, voltar a competir com ele em categorias básicas, como a Road to 1000 Milhas e 1000 milhas.
Enquanto isso, batalha para ser notada. Para que alguém acredite, aposte, apoie. Porque o talento já está lá. O que falta é o empurrão que muitos recebem de graça e que ela ainda busca com tanto esforço.
Ver essa foto no Instagram
Quem é a primeira mulher trans no automobilismo brasileiro?
Carol Nunes é a primeira mulher trans a competir oficialmente no automobilismo brasileiro, tendo iniciado sua trajetória nas pistas em 2018.
Qual é o carro de corrida da Carol Nunes?
Carol corre com um Ford Fusion de competição, único no mundo. O carro foi completamente modificado por ela mesma, sem apoio institucional.
Qual o objetivo de Carol Nunes no automobilismo?
Ela sonha em viver exclusivamente do esporte e competir em categorias maiores como a Stock Car, Endurance Brasil e monomarcas. Busca visibilidade, patrocínios e oportunidades para mostrar que competência não tem gênero.
Gostou da trajetória da Carol Nunes no automobilismo? Então, aproveite e conheça mais histórias interessantes:
- De Senna a Felipe Massa: conheça a incrível história do mecânico Losa, com 45 anos de Stock Car
- Senna e Schumacher na cabeça, sonho de Fórmula 1: a promessa de 17 anos da F4
- A verdade sobre Ayrton Senna: herói nacional ou mito fabricado? Jornalistas divergem sobre legado
- O piloto perfeito para Ayrton Senna: “Ele era frio, altamente profissional e completo”
- “Ayrton Senna destruiu minha carreira. Nunca mais voltei a uma equipe de ponta da F1”