De Lagoa da Vaca para o primeiro lugar do pódio na principal metrópoles do país. Renilson Vitorino da Silva fez história no último final de semana ao vencer a SP City Marathon 2023.
O baiano, natural do povoado localizado na cidade de Euclides da Cunha, e que hoje trabalha como gari, concedeu entrevista ao Esportelândia, onde contou a sua trajetória de vida e a incrível história que tem com a corrida.
Informações sobre a SP City Marathon 2023
A história do gari campeão da SP City Marathon 2023
Quem costuma acompanhar o esporte no geral, sabe que este universo tem a mania de apresentar histórias um tanto quanto improváveis. Só que, algumas delas, muitas vezes conseguem despertar nas pessoas um sentimento de orgulho pela superação alheia.
No caso de Renilson Vitorino, essa emoção vai além. Com 38 anos, o baiano, natural do povoado de Lagoa da Vaca, no interior do estado, mais precisamente na cidade de Euclides da Cunha, chegou em São Paulo anos atrás com um único objetivo em mente: correr.
No último domingo (30), quando cruzou a linha de chegada no Jockey Club, faturou o título de campeão da SP City Marathon 2023. Com o incrível tempo de 2 horas, 23 minutos e 31 segundos, Renilson, que trabalha como gari na maior parte do tempo, percorreu os 42,2 Km e viu a todos do lugar mais alto do pódio.
O primeiro contato com a corrida
Logo após a vitória no último final de semana, o atleta concedeu entrevista ao Esportelândia, onde falou sobre o seu primeiro contato com o esporte que está mudando a sua vida.
Vitorino vem de uma família de origem humilde, na qual ele sempre precisou se esforçar muito para ajudar a garantir o alimento na mesa.
Eu trabalhava na roça ajudando meu pai, limpando feijão e milho, mandioca, essas coisas. Na época eu estudava o ensino médio e, para comprar os livros e material escolar, eu trabalhava final de semana e ainda ajudava a família com o alimento também. Ajudava na manutenção alimentar.
E uma vez por semana, que era no sábado, eu trabalhava na feira livre com carrinho de mão. Nisso eu arrecadava mais ou menos 10 reais por final de semana. Trabalhei desde os 12 aos 22 anos nessa batida.
Nesse ínterim, Renilson conta que o seu primeiro contato com a corrida veio por meio de uma prova realizada pela prefeitura, na qual ele saiu vencedor.
Eu comecei a correr em 2001, com a oportunidade que tive lá, onde a prefeitura fez uma corrida de 5km e eu acabei ganhando. A partir dali eu comecei e peguei o gosto pela corrida. Meus pais até estranharam, alguns moradores do povoado onde eu morava também.
O povoado era o de Lagoa da Vaca, cidade de Euclides da Cunha, na Bahia. Fica no interior, região do sertão, vizinha da cidade de Canudos, onde teve aquela guerra no ano de 1896.
A mudança para São Paulo
Muito antes de se tornar gari na principal metrópoles do país, Renilson Vitorino conta que chegou à São Paulo em 2007, com o objetivo de disputar a São Silvestre daquele ano.
No entanto, a condição financeira da família não era suficiente para bancar a sua viagem, o que fez com que ele buscasse outros caminhos.
Em 2006 eu me programei pra vir para a São Silvestre, mas acabei machucando e não deu pra vir. Eu vim só no final de 2007, que era para entrar em 2008. Lembro que meu pai falou: ‘Eu já fui lá, não é fácil. Eu não gostei, mas se você gostar, você fica lá, arruma um trabalho lá e fica'.
Eu não tinha dinheiro nenhum pra vir pra São Paulo, e muitas pessoas me perguntaram: ‘Como é que você vai?' O meu pai falou: ‘Como é que você vai, eu não tenho dinheiro para comprar passagem pra você ir.' Só que eu teimei: ‘Eu vou, mano, eu vou pra São Paulo e eu não quero saber. Eu vou correr a silvestre.'
Foi a partir desse momento que o futuro campeão decidiu literalmente correr atrás dos seus sonhos e fazer o possível para conseguir realizá-los.
Então eu fiz uma lista e levei em um amigo que tinha internet, e ele fez uma lista de todos comerciantes da cidade. Nisso eu saí arrecadando de cinco em cinco reais e consegui juntar, mais ou menos, uns 600 reais. Que foi quando o meu professor me pegou de surpresa.
Ele me arrumou duas passagens de ônibus de ida e volta, e eu acabei vindo. No começo, meu primo me ajudou na empresa que trabalhava. Estava tendo uma construção lá, e ele me ajudou, arrumou uma vaga pra mim como ajudante de pedreiro.
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Trabalho como gari
Se engana quem pensa que Renilson trabalha como gari há muito tempo. Na verdade, esse emprego ainda é muito recente e foi o que proporcionou a ele uma situação financeira menos preocupante do que os outros.
Eu trabalhei três meses, depois mudei para a metalúrgica, na mesma empresa, trabalhando como metalúrgico, fazendo fogão, essas coisas. Depois disso eu saí e trabalhei de balconista, aí passei para ajudante de cozinha, na sequência ajudante de padaria e, então, cheguei até o gari. Foi por indicação de um cara que é corredor também, Ivanildo Dias, que já está na coleta há 20 anos. Ele me indicou lá e o pessoal aceitou.
Como não tem patrocínio e precisa arcar com os investimentos para conseguir correr, Vitorino revela que o emprego como gari é o que mais o ajudou até hoje.
Eu aceitei a oportunidade pelos benefícios que a empresa oferece. Graças a deus, hoje estou ganhando duas vezes mais do que com o que eu trabalhava antes. E assim dá para eu manter a preparação. Eu não tenho patrocínio, entendeu? Então assim eu consigo me virar com suplemento, alimentação e manter os treinos na correria do dia a dia.
Com o trabalho na coleta eu faço no mínimo uns 30 quilômetros (por dia) porque eu faço bicicleta indo e voltando do trabalho também. Faço a coleta, oito horas de trabalho e à tarde ainda faço o treino. Então eu agradeço, só agradecer a Deus pela superação de cada dia. Não é fácil, é um desafio.
Falta de patrocínio
Apesar da forte história de superação que Renilson enfrenta, é muito importante reforçar a ideia de que não se deve romantizar a situação. Ele, assim como milhares de outros atletas, lidam com o fato de não receberem apoio ou incentivo financeiro para se dedicarem ao esporte.
Se eu tivesse um patrocínio, pelo que eu venho fazendo desde que eu pratico, certeza que a performance seria ainda melhor. Porque você vai ter tempo para descansar, vai ter tempo para se preparar, entendeu? Seu volume de treino vai ser melhor.
Se você tiver a condição de correr e só treinar, ou até mesmo sendo patrocinado, mesmo trabalhando, com certeza ajudaria, porque você gasta muito. Eu gasto com viagem, geralmente sempre saio para provas fora, como no Rio de Janeiro.
O atleta explica que precisa tirar dinheiro do próprio bolso para competir.
Então eu tenho que bancar a hospedagem, quando a prova não me convida. Eu tenho que pagar do próprio bolso, dar no mínimo quase dois mil reais de investimento para ir para uma prova como essa. Além disso também existe o investimento com suplementação e alimentação. Então o apoio fundamental seria isso, porque só com o dinheiro do que você trabalha, atrapalha um pouco.
Sonho Olímpico
Por fim, Renilson Vitorino concluiu a entrevista ao Esportelândia falando sobre o maior sonho da sua carreira. Não é de hoje que deseja competir em uma Maratona Olímpica.
Eu sempre tive vontade de ir para as olimpíadas, mas os índices mudaram muito. Para eu conseguir chegar numa meta dessa não é impossível, né? Porque o que faz você chegar é treinamento. Quanto mais você treina, mais você fica bom. Trabalhando e correndo eu não sei, mas estou evoluindo.
Eu tenho certeza que se eu passar a me dedicar com mais seriedade à corrida, com certeza eu baixo o tempo. A área em que eu mais me destaquei foi o maratona. Então, surgindo a oportunidade aí, com certeza, eu sonho com a Maratona Olímpica.
Apesar de enxergar o objetivo como algo distante, o gari campeão da SP City Marathon 2023 segue batalhando para conquistá-lo.
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Editor no Esportelândia e redator no site Showmetech. Comentarista no portal “De Olho no Peixe” e diretor do documentário “Futebol do Espetáculo”, disponível no YouTube. Passou por Cinerama, PL Brasil e Futebol na Veia. Está no Esportelândia desde 2022.