O sonho de muitos jovens é ganhar o mundo e levar o nome do seu país ao redor do planeta. Isso é o que acontece com muitos brasileiros em diversas áreas e uma delas é o esporte. Com esse objetivo, a goleira brasileira, Ana Eliza, foi rumo à Espanha em busca de jogar em uma das maiores ligas de futsal da modalidade.

Contudo, a atleta de 23 anos passou por momentos difíceis, tendo que enfrentar a fome, salários atrasados e pressões psicológicas. Ana Eliza resolveu expor toda a tortura que viveu na temporada 2022/23, quando jogou pelo Sala Zaragoza, da 1ª divisão espanhola. Sabendo disso, o Esportelândia entrevistou a brasileira que falou sobre o ocorrido e os próximos passos na carreira.

Começo tarde na carreira e paixão pela Espanha

A atleta começou tarde no esporte, por volta de 13/14 anos, mas logo brotou uma paixão no seu coração. Ao mesmo tempo que o amor crescia pelo futsal, teve que lidar com a resistência da família que via a modalidade só para homens. O primeiro obstáculo foi a falta de apoio dos pais, teve que até pular as janelas de casa para ir jogar escondida em busca dos sonhos.

Desde que começou a conhecer o futsal, logo se encantou pelos goleiros da 1ª divisão espanhola. Olhava com animação para as defesas e a técnica dos arqueiros espanhóis. Entretanto, começou jogando na linha, mas um treinador viu a flexibilidade e, como não tinha medo de tomar boladas, fez o processo de mudança de posição e foi para o gol.

[ENTREVISTA] Ana Eliza detalha escravidão psicológica vivida no futsal espanhol
Divulgação/ Instagram

Dificuldades no Brasil e clubes menores

Ana Eliza começou no Passa Quatro, time da sua cidade natal, depois passou pelo Cruzeiro, Cachoeira Paulista, Caxambú e Américo Brasiliense, todos clubes da região ou próximos. Nesse último, a atleta sofreu com muitas dificuldades no interior de São Paulo. A jogadora teve um ano complicado, mas não quis entrar em muitos detalhes durante a entrevista.

A goleira brasileira falou de maneira forte sobre o mundo do futsal feminino, relatando o quão é obscuro a modalidade, o que acaba dando um certo medo nas meninas e muitas acabam sofrendo caladas.

Ana Eliza reprovada em testes no Brasil

A goleira é natural de Passa Quatro (Minas Gerais), passou por clubes menores, mas queria crescer, ir para novos times e ter novas experiências. A mineira não conseguiu chegar a jogar em um time profissional no Brasil.

“Essa trajetória, de estar nos clubes pequenos, eu aprendi muita coisa. Talvez se não tivesse acontecido isso, eu não estaria com bagagem correta para chegar num clube maior, profissional. Então, foi um período muito importante, de muito aprendizado, tanto como atleta, quanto como pessoa e de saber lidar com tudo que acontece dentro do meio esportivo”, frisou a goleira.

Realização do sonho da goleira brasileira

Depois de muito tempo de dificuldade, a mineira recebeu uma proposta do Joventut d'Elx, de Elche, também da Espanha. Com o desempenho impressionante nas partidas, Ana conquistou uma vaga na Seleção Brasileira, no Campeonato Mundial Universitário. De uma hora para outra, Ana Eliza estava na primeira divisão espanhola, jogando em um clube profissional e defendendo a meta da Seleção.

Era tudo novo, foi a primeira vez que viajou de avião, um país desconhecido para a brasileira e uma cultura diferente. A atleta foi recebida da melhor maneira possível pelas companheiras de time. Com isso, em pouco tempo, já começou a pegar o básico do idioma. Ana Eliza teve uma boa temporada, mas acabou tendo que retornar ao Brasil por conta do visto.

Ilegalidade na Espanha

Ana Eliza só tinha o passaporte e não sabia sobre as documentações necessárias. A atleta não tinha o conhecimento total sobre isso e o clube deu a ideia de ter um visto de turista, para dar tempo de retornar ao Brasil e acertar tudo para voltar a Espanha. Mas ela acabou passando por uma situação perigosa.

“Eu acabei ficando seis meses aqui na Espanha ilegal. Então, por esse motivo, teve um jogo em Melídia, que na hora de voltar, os policiais me pararam e ficamos muitos minutos conversando. A treinadora do clube conversou e eles deixaram a gente passar. Só que por um triz eu teria sido deportada dali mesmo. Então, foi um momento muito difícil. E eu tive que voltar para o Brasil depois, ficar um tempo e foi na hora que surgiu a proposta de vir para o Zaragoza“, disse Ana Eliza. 

Sonho que virou pesadelo na Espanha

“As pessoas têm mania de achar que a escravidão é algo físico, é mental, é psicológico. E, acima de tudo, às vezes, as pessoas perguntam: ‘mas eles não tiraram o seu passaporte?' Porque geralmente, quando acontece esse tipo de coisa, tiram os documentos da vítima”.

“Só que, nesse caso, eles não tiravam o passaporte, mas a gente tampouco tinha dinheiro. A gente não tinha liberdade de conseguir ir e vir, de comprar comida, sempre tendo que depender dessa pessoa (não identificada). Quando ela queria ajudar a gente, expressava como se a gente tivesse em dívida por estar ajudando com uma bolsa de comida”, relembra a goleira.

Família sem saber no início e clube se posicionando sobre relato

Ana Eliza demorou um tempo para falar aos familiares o que estava acontecendo na Espanha. A atleta e o seu marido (Petric) tinham que esconder algumas informações no início, mas depois acabaram abrindo a situação para as pessoas mais próximas, que ajudaram com dinheiro para comida.

Parecer do clube espanhol

O clube afirmou que eram informações falsas da brasileira, mas a goleira não aguentava o silêncio de anos. Mais de 30 jogadoras já denunciaram o clube, mesmo que as atletas estejam certas, segundo a goleira, elas acabam saindo na injustiça. O motivo do relato nas redes sociais foi dar um basta nisso, pois as meninas têm medo de falar o que acontece. Entretanto, Ana Eliza vem lutando com o sistema: “é como se tivesse preso, uma pressão psicológica”. 

Lembrança dolorosa com o marido

A atleta é casada com Petric, que também é preparador de goleiros. O marido acompanhou todas as dificuldades desde o início da carreira. Nesse momento, Ana Eliza se emocionou, mas olhou com esperança para o futuro e os novos desafios da temporada 2023/24.

“Ele (Petric) é a pessoa que mais me apoia. Sempre está comigo desde que comecei. Foi um momento muito difícil que a gente teve que passar junto. Um tentava apoiar o outro, eu lembro várias vezes que o nosso melhor momento era quando a gente ia viajar para fora. Porque quando isso acontecia ficavamos em um hotel e eu sabia que no hotel ia ter comida”.

“E aí eu pegava comida que tinha no hotel para poder levar para casa, para o Petric. Então a gente tentava se apoiar um ao outro ou ajudar o outro da maneira que podia. Sempre lado a lado”, finalizou Ana Eliza.

 

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