Mário Jorge Lobo Zagallo é, sem sombra de dúvidas, um dos mais importantes personagens do futebol brasileiro. De todo o futebol mundial, na verdade.
Até hoje, é a única pessoa que viveu quatro vezes o ápice de toda a glória humana, ser campeão da Copa do Mundo, e ainda teve o privilégio de batalhar por ela outras três vezes.
Suas conquistas materiais o registraram na história mas foram suas contribuições imateriais que o eternizaram na alma do torcedor brasileiro. Em pouco mais de doze anos a serviço da Seleção, Zagallo presenciou, capturou, traduziu e definiu praticamente todo o ideal do futebol do Brasil.
Entre as Copas do Mundo de 1958 e 1970, contribuiu taticamente, intelectualmente e até espiritualmente para a formação de uma escola brasileira de futebol. Depois, seguiu como uma espécie de personagem, um oráculo sem pedestal nem cerimônia, eternizando frases e a superstição do número 13.
Longe de ser inofensiva, essa figura foi chave para a conquista de outra Copa do Mundo, a de 1994, e também para a formação da Seleção Brasileira que, antes de seu trágico fim aos pés franceses, encantou verdadeiramente o país no começo do século XXI.
Fora isso tudo, esteve em ainda outra final de Copa do Mundo. Em outros momentos, foi também campeão brasileiro, campeão carioca e de uma outra infinidade de troféus.
O livro da vida de Zagallo se confunde com o do próprio futebol brasileiro por vários e longos capítulos. O texto a seguir é apenas um breve e singelo resumo da obra.
História de Zagallo na Seleção Brasileira
É curioso observar que, apesar de seu vasto currículo, Zagallo só iniciou sua trajetória na Seleção Brasileira aos 26 anos.
Embora isso possa parecer incomum hoje, em uma era onde Pelé conquistou o mundo aos 17, esse processo era mais comum na época, com muitos jogadores estreando na seleção mais próximos dos 30 anos do que dos 20.
O que realmente chama a atenção é o fato de Zagallo ter conquistado sua vaga superando grandes nomes como Pepe, do Santos, e Canhoteiro, do São Paulo, dois dos melhores pontas-esquerdas da época.
Zagallo, como ele mesmo se define, era um jogador mais tático, quase um meia jogando pelas laterais. Embora tivesse boa técnica, não possuía o mesmo estilo explosivo ou a habilidade de seus concorrentes diretos.
Mas foi justamente por essa característica que ele ganhou a condição de titular. O camisa 7 jogou todos os minutos possíveis da Copa do Mundo de 1958 porque dava maior unidade a um time repleto de talentos, nas laterais, no meio, no ataque, mas era muito pressionado pela própria torcida.
O papel mais importante que Zagallo cumpria era a compensação. Garrincha ia e não voltava muito pela direita e, quando tinha a bola, gastava o seu tempo com ela. O camisa 7, então, recuava bastante na hora de defender, para que Didi e Zito pudessem fazer a cobertura das costas de Garrincha e não se preocupar com a faixa esquerda.
Quando tinha a bola, Zagallo sabia se virar, mas era mais rápido e objetivo nas decisões, conectando Didi, Pelé e Vavá. Subia para a área somente quando a oportunidade pintava. Foi o caso do seu único gol da Copa, o quarto dos cinco marcados na final contra a Suécia.
Zagallo na Copa do Mundo de 1962
Zagallo seguiu na função em 1962, na Copa do Mundo do Chile, só que ainda mais recuado e ainda mais por dentro, já um meia de fato. O posicionamento não mudou muito após a lesão de Pelé ainda na fase de grupos, mas sim seu comportamento com a bola.
Especialmente na semifinal, contra o Chile, e na final, contra a Tchecoeslováquia, o camisa 7 ficou muito mais tempo com a posse, fazendo mais jogadas de linha de fundo e cuidando das bolas paradas. Foi, depois de Garrincha e Zito, o melhor brasileiro do Mundial.
A intensa relação de Zagallo com a Seleção Brasileira
Os laços do jogador Zagallo com a Seleção Brasileira se encerraram junto com a sua carreira, em 1964. Foram 32 partidas com a camisa canarinho, sendo 28 vitórias, dois empates e só duas derrotas, essas em amistosos, ainda por cima.
A relação, no entanto, seguiu intensa e, trabalhando na beira do campo ou fora dele, teve uma carreira ainda mais duradoura. Participou de nada menos que cinco Copas do Mundo como profissional da CBF, três como treinador e outras duas como Coordenador Técnico.
Zagallo e a Copa do Mundo de 1970
Os primeiros dois desses mais de trinta anos de serviço foram seu absoluto auge. Ganhando sua chance no comando da Seleção Brasileira tão de repente quanto a vaga no time titular da Copa de 58, Zagallo fez do seu trabalho uma referência absoluta no futebol brasileiro.
Assumindo o cargo em 1969, Zagallo mandou a campo em 1970 a maior seleção nacional de todos os tempos. Sem exagerar uma só vírgula, o Brasil da Copa de 70 tinha absolutamente tudo.
Tática, estratégia, condicionamento físico, capacidade técnica, improvisação, força psicológica, estava tudo lá.
A única coisa que não foi montada ou necessariamente planejada foi a filosofia vigente, a “ideologia de bola”, de privilégio técnico, de confiança no talento, que acabou invariavelmente conhecida como o jeito brasileiro de se jogar futebol.
Ainda que o primoroso preparo físico seja fruto da visão e do planejamento da própria CBF e que simplesmente não seja possível dissociar os acontecimentos do campo do absoluto protagonismo de craques como Pelé, Tostão, Gérson e Carlos Alberto, foi uma equipe com as duas mãos de Zagallo.
A Seleção de 1970 e a escola brasileira de futebol
O “Lobo” trouxe a 1970 a lógica das compensações que ele mesmo aplicava em 1958 e 1962. Isso permitiu trazer conforto posicional e funcional ao “time dos cinco camisas dez” — que na verdade eram 4; Tostão usava a 8 no Cruzeiro — e, claro, a competitividade necessária.
O lateral esquerdo Everaldo segurava na defesa para liberar os avanços poderosos de Carlos Alberto Torres na direita; Clodoaldo combatia no meio para preservar Gérson, que podia armar o time desde trás; Jairzinho, na ponta direita, rasgava o campo de ataque rumo à área, já que Tostão, o camisa 9, estava na maioria das vezes fora dela.
Do outro lado, Rivellino emulava o próprio Zagallo do Bi, entre a meia e a ponta esquerda, só que com um toque de Pepe, na forma de seus incríveis patadas de canhota. No centro de tudo, Pelé. O camisa 10 fazia, bom, o que só ele sabia fazer.
Nesses dois parágrafos acima estão resumidos a maioria das ferramentas táticas do times brasileiros até pelo menos o começo do século XXI.
Ao mesmo tempo, cada função era absolutamente natural aos seus executores, montagem essa que também passou a ser do manual de toda uma linhagem de treinadores, de Telê Santana a Vanderlei Luxemburgo.
O nível de futebol alcançado, ilustrado com perfeição pelo gol de Carlos Alberto contra a Itália, virou, simultaneamente, um rico referencial técnico-ideológico e um ideal romântico inalcançável. Uma linda maldição e um magnífico trabalho.
O papel estratégico de Zagallo na Copa do Mundo de 1994
Depois de 1970, Zagallo passou a ser uma espécie de guardião do próprio legado, a própria personificação do trabalho necessário para alcançar o “jeito brasileiro de se jogar futebol” — e, não esqueçamos, de como ganhar títulos mundiais.
Foi sob essa ótica que em 1991 o então “Velho Lobo” virou coordenador técnico da Seleção Brasileira, visando a Copa do Mundo de 1994, nos EUA.
Mais coordenador do que técnico, Zagallo foi uma espécie de conselheiro da delegação e um escudo de Carlos Alberto Parreira, que foi o preparador físico de 1970.
O Tetra, portanto, também tem a mão do eterno camisa sete.
1974 e 1998: as grandes derrotas de Zagallo
A história de Zagallo na Seleção Brasileira, como todos bem sabem, não foi só de glórias. Claro, estas sobrepões seus fracassos, mas que eles existiram, existiram. E foram quando justamente o Velho Lobo tinha mais a mão na massa.
Na Copa do Mundo de 1974, desfalcado de Pelé e outros dos “cobras” de 1970, Zagallo ficou entre repetir o Bi de 1962 — que ele mesmo chama de vitória na base da experiência — e uma certa renovação física do grupo.
Rivellino e Jairzinho garantiram uma continuidade técnica e brilharam especialmente contra a Argentina na fase final, mas não houve a mesma unidade do ciclo anterior e a derrota para a fantástica Holanda teve um quê de prepotência por parte do treinador.
Já o processo até a derrota para a França em 1998 foi muito mais desgastante, com o técnico e o personagem se tensionando continuamente. Brigas com a imprensa, um padrão pouco claro de jogo e pouca sintonia com o potencial do elenco só foram menos decisivos que Zidane.
2006: Velho Lobo e zelador
O réquiem do Velho Lobo foi como “zelador” da Seleção de 2006.
Apresentado novamente como Coordenador Técnico em 2003, Zagallo foi ativo e importante na montagem da equipe do “Quadrado Mágico” que, até o decepcionante desempenho na Copa do Mundo da Alemanha, foi certamente uma das que mais empolgou o torcedor brasileiro.
A história de Zagallo no futebol brasileiro
O lendário jogador da Seleção Brasileira foi também um honroso representante do futebol carioca. Atuando somente por América, Flamengo e Botafogo, Zagallo venceu cinco vezes o Campeonato Carioca e conquistou uma infinidade dos torneios disputados das décadas de sessenta e setenta.
Seu grande momento individual foi no Flamengo, tanto que o rendeu uma vaga na Copa de 1958. Mas o ápice de sua carreira em clubes foi a formação do campeoníssimo Botafogo da primeira metade da década de 1960. Era, afinal, o time que tinha Didi, Garrincha e Nilton Santos. E ele.
Zagallo, treinador dos quatro grandes do Rio de Janeiro
A forte relação com os gramados do Rio de Janeiro seguiu como técnico. Zagallo está na lista daqueles treinaram os quatro grandes times cariocas, inclusive conquistando o estadual em três deles, Flamengo, Fluminense e Botafogo.
O Alvinegro foi, novamente, o lar de seu grande trabalho. Foi comandando o Fogão que Zagallo foi bicampeão carioca e campeão do Brasileirão, tudo entre 1967 e 1968. Foi o seu principal currículo para chegar novamente à Seleção Brasileira.
O mito e as curiosidades de Zagallo, o “Velho Lobo”
A combinação da sua presença em diversos dos grandes momentos do futebol brasileiro com a sucessão de cargos de comando deram maior evidência à figura de Mario Jorge Lobo Zagallo.
Com o passar dos anos foi se cultivando uma espécie de “mito” ao seu redor. O “Velho Lobo”, claro, não deixava por menos, alimentando o falatório com o seu carisma e com diversos causos, frases e curiosidades.
Zagallo e o número 13
A maior de todas essas anedotas é a famosa superstição com o número 13. Em inúmeras entrevistas e aparições públicas, Zagallo relacionava tudo com o número, somando letras e lembrando datas. “Brasil Campeão”, por exemplo, tem treze letras.
A obsessão vem da devoção da esposa para com Santo Antônio, cuja fé tem no 13 um número cabalístico. Seu dia, ora, é o dia 13 de julho.
Vocês vão ter que me engolir!
A frase mais icônica de Zagallo saiu após a conquista da Copa América de 1997. Pressionado por uma série de derrotas durante o ciclo para a Copa do Mundo de 1998, Zagallo começou a competição muito pressionado e conviveu com críticas no decorrer dos jogos.
O desabafo foi marcante e virou até uma espécie de bordão do Velho Lobo, sentenciando o o inevitável engolimento de diversos fatos. Até a nacionalidade do Papa Francisco foi tema de sua “ordem”.
Aí sim, fomos surpreendidos novamente
Anos e anos depois do desabafo da Copa América, Zagallo voltou à boca do povo. O sucesso do Globoesporte comandado pelo apresentador Thiago Leifert gerou, em 2009, o curioso “meme” de uma fala do ex-treinador: “aí sim, fomos surpreendidos novamente”.
Colocada fora de contexto e usada para ilustrar momentos cômicos na edição das reportagens, a frase saiu de uma entrevista após a Copa do Mundo de 1974. Os responsáveis pela surpresa, você deve imaginar, foram os holandeses.
Zagallo e o futebol brasileiro: legado e respeito
Não há melhor palavra para definir Mário Jorge Lobo Zagallo do que “lenda”. Ninguém alcançou o que ele alcançou com a amarelinha e poucos personificaram o futebol brasileiro como ele.
Para ele, aliás, o jeito brasileiro de jogar bola é mais do que esporte, é um conjunto de valores.
Zagallo foi também o melhor representante do torcedor do Brasil, e já desde a época em que era jogador. Um cara teimoso, cheio de garra, de vontade de vencer e também com o maior respeito do mundo pela figura do craque brasileiro.
Venerado por técnicos, respeitado por colegas e exaltado por muito de seus companheiros, Zagallo deixa de legado, além de tudo o que foi citado até aqui, a enorme paixão pelo futebol do Brasil.
Títulos de Zagallo como jogador
Flamengo
- Campeonato Carioca: 1953, 1954, 1955
Botafogo
- Campeonato Carioca: 1961, 1962
- Rio-São Paulo: 1962, 1964
Seleção Brasileira
- Copa do Mundo: 1958, 1962
Títulos de Zagallo como treinador
Flamengo
- Campeonato Carioca: 1972, 2001
- Taça Guanabara: 1972, 1973, 1984, 2001
- Copa dos Campeões: 2001
Fluminense
- Campeonato Carioca: 1971
Botafogo
- Campeonato Brasileiro: 1968
- Campeonato Carioca: 1967, 1968
- Taça Guanabara: 1967, 1968
Al-Hilal
- Campeonato Saudita: 1979
Seleção da Arábia Saudita
- Copa Ásia: 1984
Seleção Brasileira
- Copa do Mundo: 1970
- Copa das Confederações: 1997
- Copa América: 1997
Títulos como Coordenador Técnico da Seleção Brasileira
- Copa do Mundo: 1994
- Copa das Confederações: 2005
- Copa América: 2004
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