Beirando os cem anos de existência, o futebol feminino no Brasil ainda luta por uma maior consolidação esportiva. Apesar (ou talvez exatamente por) disso, a modalidade já é um patrimônio histórico, cultural e social brasileiro.

Através da história do futebol feminino é possível contar a história recente do nosso País, mas aquela que não está nos livros, cujas personagens nem nos jornais estão.

Foi  só a partir de muita luta dentro e fora de campo que esse cenário começou a se modificar. Os gramados começam a hospedar o encontro entre a visibilidade e a memória das jogadoras brasileiras.

É sobre esta última, aliás, que se trata o texto abaixo, sobre as mulheres que forjaram o seu espaço em um esporte que por muito tempo lhes foi negado.

Dos primeiros e esforçados chutes das pioneiras aos mais finos dribles das jogadoras que catapultaram a modalidade, contamos nas próximas linhas a história do futebol feminino no Brasil.

A história do futebol feminino no Brasil

Quando surgiu o futebol feminino no Brasil?

O primeiro registro de uma partida de futebol entre mulheres no Brasil é datado de 1921. O jornal A Gazeta noticiou o confronto entre os selecionados dos bairros paulistanos da Cantareira, atual Santana, e Tremembé, atual Jardim Tremembé.

O tom do relato era mais cômico do que exatamente noticioso. A prática toda, na verdade, era tida mais como uma atração do que um esporte de fato. Entre os documentos da época, inclusive, há posters de circos, que promoviam partidas femininas “homenageando” os clássicos locais das cidades por onde passavam.

Registro da exposição "Museu do Impedimento", no Museu do Futebol
(Divulgação/Museu do Futebol)

O futebol feminino dos anos 1940

Na esteira da chamada primeira profissionalização do futebol masculino, em 1933, times femininos começaram a pipocar nos grandes centros do sudeste brasileiro.

Se alimentando da natureza de exibição das suas partidas, mas já sem o caráter escrachado dos anos 1920, as jogadoras excursionavam Brasil e até mundo afora apresentando o “football feminino”.

O ápice desse processo se deu em 1940, quando, um mês após a inauguração do Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, Casino de Realengo e S.C Brasileiro se enfrentaram no à época maior estádio do Brasil.

A ocasião, além do seguimento da excursão dos times cariocas por São Paulo, foi a estreia da iluminação do Paca, que contou até com a presença do presidente Getúlio Vargas.

Recorte do Jornal Correio Paulistano, na edição de 19 de maio de 1940
(Reprodução/Correio Paulistano, 19/05/1940)

Quando o futebol feminino foi proibido no Brasil

Depois do apogeu, o declínio. A visibilidade da partida no Pacaembu gerou uma forte reação das alas conservadoras da sociedade civil, aumentando o tom das críticas à “nova” modalidade esportiva.

Em 1941 — no ano seguinte, portanto, de Realengo x S.C Brasileiro — foi criado o Conselho Nacional dos Desportos (CND). Junto dele, foi instituído o decreto-lei 3199, que proibia as mulheres de praticarem esportes que fossem “adequados à sua natureza”.

O futebol não era nominalmente citado, mas a apreensão popular da época era de ele que fazia parte dessa definição.

O estabelecimento do CND é considerado pelos pesquisadores como a época da segunda profissionalização do futebol masculino, marcada pela apreensão do esporte pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. A ideia era criar uma identidade nacional a partir da bola.

Assim, se a primeira profissionalização dos anos 1930 auxiliou indiretamente o futebol feminino, a segunda, por iniciativa governamental, segurou a pá que o enterrou. Ou pelo menos assim achavam os donos das canetadas reacionárias.

Recorte do Jornal Estado de Minas, de 1940
S.C Brasileiro e Casino se enfrentaram também em Belo Horizonte (Reprodução/ Estado de Minas)

Araguari Atlético Clube: pioneirismo e resistência

17 anos depois da divulgação do decreto-lei 3199, não havia mais o Estado Novo. O presidente era Juscelino Kubitschek e o craque era Pelé. O Brasil tinha seu primeiro título mundial de futebol masculino e, ora, o seu primeiro time profissional de futebol feminino.

Atuando com um pé na área cinzenta da legislação após o terceiro mandato de Getúlio Vargas (1951-1954), o Araguari Futebol Clube foi a grande atração esportiva do interior de Minas Gerais.

A pesquisadora Teresa Cristina Montes, filha de uma das jogadoras aragaurienses, argumenta que as mulheres do Araguari formaram o primeiro time de fato de futebol feminino por atuarem em campos oficiais, contarem com treinador e massagista e atuarem sob as cores de um clube filiado à Federação Mineira de Futebol.

Foto da equipe do Atletico Mineiro
O Araguari chegou a vestir o uniforme do Atlético Mineiro em um amistoso (Reprodução/Acervo Museu do Futebol)

A segunda proibição do futebol feminino no Brasil

A equipe mineira não foi a única a representar a resistência feminina nos anos cinquenta — a exposição virtual Museu do Impedimento, do Museu do Futebol, conta melhor do que ninguém — mas foi certamente a mais icônica.

Tanto que, à exemplo da primeira partida das mulheres no Pacaembu, seu caso trouxe, junto de uma certa visibilidade positiva, novas reações conservadoras. Em 1959, o governo Kubitschek reafirmou ou decreto 3199 da CND, extinguindo assim o Araguari F.C.

Pior ainda foi o ano de 1965, quando, já sob a Ditadura Militar, foi formulada outra proibição. Dessa vez, a lei citava especificamente o futebol praticado por mulheres.

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O crescimento do futebol feminino no Brasil

A proibição do futebol feminino só foi cair em 1979. Porém, assim como muita coisa dessa época, foi uma ação para inglês ver. A revogação não veio acompanhada de qualquer outra iniciativa de estimulo à modalidade que, após golpes consecutivos ao seu crescimento, custou a se reerguer.

Em 1983 veio a luz no fim do túnel, na forma da regulamentação de fato do futebol praticado por mulheres. Da legislação surgiram, entre outros, o SAAD, de São Paulo, e o Radar, do Rio de Janeiro, os dois principais clubes femininos da reabertura.

O Brasil na primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino

O Brasil sempre esteve alguns anos atrasado do Mundo em relação ao futebol feminino. Se a primeira partida daqui foi nos anos 1920, na Inglaterra — que também passou por uma proibição — as mulheres estrearam ao fim de 1890.

Porém, ao olhar para a data da primeira competição feminina internacional da FIFA, em 1988, o processo daqui não parece tão diferente assim. A Women's Invitational Tournament foi uma espécie de teste para a primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino, que aconteceu em 1991.

Em ambas as competições as jogadoras do Radar formaram a base da Seleção Brasileira. Em 88, ficamos na terceira colocação. Em 91, ficamos na fase de grupos, que tinha as pedreiras de Suécia e Estados Unidos.

Momento da partida da Seleção Brasileira pelo Sul-Americano de futebol feminino
O Radar chegou a ceder 16 jogadoras na primeira convocação (Reprodução/Museu do Futebol/Coleção Michael Jackson

As primeiras conquistas do futebol feminino no Brasil

Cinco anos mais tarde, em 1996, outra data marcante: os primeiros Jogos Olímpicos com um torneio de futebol feminino. A equipe brasileira não só participou como ficou a uma vitória de subir ao pódio, derrotada pela forte seleção norueguesa.

Antes, em 1995, o Brasil disputou seu segundo mundial. Foram três grandes novidades para o torneio: uma preparação de fato, com direito a cinco meses de treinos prévios, e as estreias de duas craques eternas: Formiga e Sissi.

Se Formiga seguiu jogando com uma absurda consistência por mais de duas décadas, Sissi se fez pelo futebol digno do número 10 que usava nas costas. O antológico gol que marcou na Copa do Mundo de 1999 só contribuiu.

A craque, chamada de “Imperatriz“, bateu uma falta de muito longe, na esquerda, e marcou o gol que levou a Seleção para as semifinais. Aquela foi a campanha que rendeu a primeira medalha do País no torneio, a de Bronze.

A Era Marta do futebol feminino

Quatro anos depois da primeira medalha em mundiais, foi a vez de outra camisa 10 brilhar. Marta, convenhamos, dispensa apresentações. Vale, porém, exaltar uma última vez todas as mulheres, das senhoritas de Cantareira e Tremembé às companheiras da Imperatriz Sissi.

Todas elas prepararam o terreno com suor e lágrimas. Dele, brotou um talento tão grande quanto seu esforço, sua resistência, sua luta.

Marta não fez por menos. Junto de sua eterna companheira, a atacante Cristiane, a jogadora foi a embaixadora do futebol feminino no Brasil, dona de nada menos que seis prêmios de Melhor Jogadora do Mundo.

Além de encantar olhos de simpáticos e antipáticos à modalidade, a Rainha, que é a maior artilheira da Seleção Brasileira entre as duas categorias, liderou as mulheres do Brasil em quase duas dezenas de títulos, entre Copas América, Jogos Pan-Americanos e Torneios Internacionais de Futebol Feminino.

Em 2023, Marta disputou mais uma Copa do Mundo, que deve ser a última da Rainha. No entanto, o Brasil caiu ainda na fase de grupos.

Nos dois primeiros jogos, Marta começou no banco de reservas e entrou já nos minutos finais das partida. Já no terceiro, diante da Jamaica, a Rainha começou entre as titulares, sendo substituída apenas no fim do jogo. No entanto, não marcou nenhum gol.

O futebol feminino que Marta deixará no Brasil será superior ao que ele encontrou quando começou, lá no início dos anos 2000.

A luta é que deve ser a mesma, seja dentro de campo ou fora dele. Há muito tempo perdido para se recuperar e, claro, muito para se conquistar.

Curiosidades sobre o futebol feminino no Brasil

  • Por muito tempo, era consenso que a primeira partida de futebol feminino no Brasil tinha acontecido em 1913. Descobriu-se, no entanto, que entre as jogadoras havia homens disfarçados.
  • Na primeira Copa do Mundo, em 1991, a Seleção Brasileira não tinha uniforme próprio. As mulheres foram vestidas com o que restou do time masculino.
  • Em 2016, o CBF chegou a anunciar uma equipe fixa da Seleção Brasileira de Futebol Feminino. A ideia era manter as jogadoras, que recebiam salários, ativas durante “buracos” do calendário brasileiro.
  • O Araguari Futebol Clube, tido como primeiro time de futebol feminino do Brasil, extinto em 1959, foi brevemente reativado em 2011.

Quantos títulos de Copas tem o Brasil no futebol feminino?

  • Copa América (1991, 1995, 1998, 2003, 2010, 2014, 2018 e 2022)
  • Jogos Pan-Americanos (2003, 2007 e 2015)
  • Jogos Mundiais Militares (2011, 2015 e 2018)
  • Torneio Internacional de Futebol Feminino (2009, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016)

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*Última atualização feita em 16 de novembro de 2023