Durante a pandemia, enquanto o mundo parava, um menino de São Bernardo do Campo-SP descobriu sua paixão pelo basquete. Aos 11 anos, Nicolas Foltran Kuroiwa encontrou nas quadras — e em ídolos como Gui Santos — sua maior motivação. Mal sabia ele que enfrentaria, em breve, o maior adversário de sua vida: o próprio coração.

O jovem nasceu com uma cardiopatia congênita. Com menos de um mês de vida, foi internado às pressas e precisou passar por uma valvoplastia. Cresceu com consultas frequentes, restrições físicas e sonhos adiados. Ainda assim, a paixão pelo basquete só crescia.

Em 2023, veio o momento temido: seria necessário realizar um implante de válvula aórtica. A cirurgia, de grande porte, representava não apenas risco de vida, mas também o medo de nunca mais poder praticar atividade física. Mas Nicolas não desistiu. Nem quando, na porta do centro cirúrgico, chorou e pediu aos pais para não operar.

Nicolas Foltran Kuroiwa e sua superação pessoal para seguir os passos de Gui Santos no basquete

Quando o Nicolas nasceu, em 1º de fevereiro de 2012, os médicos não detectaram a anomalia congênita em seu coração. Os pais, Erick Kuroiwa e Ana Foltran, o levaram ao pediatra, que o salvou naquele dia.

Com apenas 30 dias de vida, Nicolas foi internado às pressas: não mamava, não dormia e mal conseguia respirar. Coração, fígado e rim estavam descompensados. Foi direto para a UTI. O diagnóstico? Estenose da válvula aórtica, uma cardiopatia congênita grave.

No dia 10 de março de 2012, passou por uma valvoplastia, uma cirurgia temporária para aliviar o problema. A partir dali, visitas frequentes ao cardiologista e o risco de uma nova cirurgia passaram a fazer parte da rotina da família.

Nicolas era separado dos colegas e não podia fazer educação física na escola

Por anos, Nicolas foi afastado das aulas de educação física. Na escola, ficava no banco, ajudando o professor enquanto os colegas jogavam. Em casa, tentava viver como uma criança comum: jogava futebol, brincava com amigos, curtia música eletrônica. Até que descobriu o basquete e tudo mudou, conta sua mãe:

Ele não fazia aula de natação ou educação física na escola por opção deles. Em casa sempre brincou com os amigos normalmente. Começou no futebol, passou a aprender a manusear equipamentos de DJ, pois ama música eletrônica, e logo passou a gostar muito de basquete.

Nicolas se apaixonou pelo basquete aos 8 anos, ainda na escola, e começou a ver jogos da NBA com amigos e o irmão, Henrique. Vivia pedindo aos pais para treinar e ir nas peneiras, mas eles sempre arrumavam desculpas para não levar, com medo de algo acontecer com o filho. Ana se culpava, mas, com o tempo, foi aprendendo a lidar com a situação.

Era difícil segurar o choro para dar força ao Nicolas, para que ele levasse uma vida normal. Nunca escondemos dele o problema que tem. Nossa missão era fazer com que ele soubesse lidar com isso desde muito pequeno e enfrentasse a vida da maneira mais normal possível.

Se por um lado a mãe vivia o peso emocional de ver seu filho nesta situação, seu pai, Erick, apesar do sofrimento evidente, procurava ser o pilar da família, sempre transmitindo calma e confiança.

Sempre mantive a positividade. Tratava a cirurgia com a maior naturalidade possível, como se fosse algo simples, como fazer um exame de sangue. Apenas mais uma atividade na nossa rotina. Sabia que tudo daria certo e que logo a vida voltaria ao normal.

Família Kuroiwa
Erick Kuroiwa, Henrique, Ana Foltran e Nicolas [Arquivo]

Nicolas e família viveram a apreensão de uma nova cirurgia

Em 2023, a arriscada cirurgia estava marcada e vinha acompanhada do medo de nunca mais jogar basquete. Nicolas e a família esperaram 11 anos entre a primeira cirurgia e o momento em que os médicos afirmaram ser a hora de fazer o implante de válvula.

No dia do procedimento, Nicolas não resistiu: chorou na porta do centro cirúrgico e implorou aos pais que não o deixassem operar. A dor foi enorme, mas a força da família falou mais alto, detalha sua mãe:

Antes de ir para a sala de cirurgia, Nicolas resolveu desistir de ser forte e nos pediu para não operar. Aquilo doeu demais. Nos tirou o chão. Mas fomos fortes. Agradeço a equipe médica todos os dias pelo o que fizeram por ele.

Depois de mais de 10 horas de espera, Nicolas saiu do centro cirúrgico. A recuperação foi lenta e dolorosa, com semanas na UTI e muito cansaço. Mas o objetivo era claro: voltar ao basquete.

Durante a reabilitação, começou a bater bola em casa. Meses depois, veio a tão esperada notícia: ele estava liberado para voltar a arremessar. Foi um dos dias mais felizes da vida de Nicolas. Erick comenta como a vida do filho mudou após a notícia:

Antes ele só observava, não podia fazer quase nada, se sentia cansado e o médico não liberava atividade física intensa. Após a cirurgia, a vida dele mudou completamente. Durante a recuperação ficava batendo bola e assim pegou gosto pelo basquete. 

Nicolas São Bernardo Basquete (1)
Nicolas com o time do São Bernardo Basquete [Reprodução]

O basquete na vida de Nicolas após a cirurgia no coração

Em fevereiro de 2024, um amigo o apresentou à treinadora Monique Poles, do São Bernardo Basquete. Mesmo sem liberação médica, ele treinou por uma semana. Pouco depois, veio a notícia: estava aprovado e, finalmente, liberado para jogar oficialmente.

Quando a médica disse que eu podia voltar a arremessar, foi um dos dias mais felizes da minha vida. No começo foi bem difícil, pois me sentia muito cansado e com mal-estar. Mas eu estava morrendo de saudade de jogar.

Nicolas voltou oficialmente ao esporte. Hoje joga pelo sub-13, mesmo clube do irmão mais novo, Henrique, do sub-12, e visa mandar uma mensagem a quem enfrentar algum tipo de dificuldade na vida ou na carreira esportiva:

“Tenham resiliência e sempre deem o seu melhor”, diz o garoto que aprendeu, desde cedo, a nunca desistir dos seus sonhos.

Nicolas São Bernardo Basquete (2)
Nicolas, os jogadores da base do São Bernardo Basquete, treinadores e familiares em comemoração [Reprodução]

São Bernardo Basquete e o papel transformador do esporte

Monique, a treinadora, não imaginava a história que viria com aquele garoto novo na quadra. Mas entendeu, desde o início, que havia algo especial ali.

Conheci o Nicolas no início de 2024. Como atleta em iniciação, fiquei com ele porque tinha um molde bom. Como pessoa, uma graça: educado, atencioso e determinado. Ele ter que passar por tudo isso, sendo tão novinho, e de uma maneira brilhante vencer essa luta.

Ele se adaptou rápido aos treinos e foi se superando cada vez mais nos jogos. A história dele representa perfeitamente a característica das minhas equipes: luta, determinação, foco e superação. Ele é um exemplo de perseverança. É um guerreiro, assim como devem ser os demais.

Monique Poles São Bernardo Basquete
Monique Poles é a técnica do São Bernardo Basquete [Reprodução]
O São Bernardo Basquete foi fundamental. O clube não apenas acolheu Nicolas, mas mostrou que formação é mais do que treinar fundamentos. É formar seres humanos.

O papel é de formação de atletas, tendo como ferramenta o basquete para um futuro de excelência como seres humanos. Lidamos com o Nicolas de uma maneira totalmente natural, para que ele se sentisse tranquilo e confiante.

É uma lição de vida. Quantos, às vezes, reclamam sem terem nenhum problema realmente sério? Isso nos ensina a valorizar tudo e todos, mesmo as pequenas coisas. Temos que acreditar que tudo é possível, quando acreditamos e lutamos com fé.

Essa linda história de vida é a primeira que vivenciamos, e precisamos ficar atentos e fazer um trabalho muito bom, pois isso é muito positivo e deve ser divulgado para incentivar mais crianças e pessoas que possam vir a enfrentar uma situação difícil.

Qual é o maior sonho de Nicolas?

Ser jogador profissional e ir para a NBA. Se puder escolher, jogar pelo Orlando Magic. Seguir os passos de seus ídolos: Kobe Bryant, Michael Jordan, Oscar SchmidtGui Santos.

Gostaria de jogar pelo Orlando Magic. Meus ídolos são Oscar Schmidt e Gui Santos, no Brasil, e Kobe Bryant e Michael Jordan na NBA. Também admiro Cristiano Ronaldo e Michael Phelps.

Como Gui Santos inspira Nicolas Kuroiwa?

Gui Santos passou por sua própria jornada difícil antes de chegar à NBA. De reserva no Minas à escolha pelo Golden State Warriors, o ala virou símbolo de superação.

É nele que Nicolas se inspira. Embora joguem em posições diferentes, o garoto admira a defesa agressiva de Gui e tenta seguir o mesmo caminho:

Minha posição é ala-armador, pois é uma posição versátil. A minha maior característica é minha defesa, como Gui Santos.

Como o basquete mudou a vida de Nicolas?

Hoje, Nicolas se sente em paz quando entra em quadra. Mais do que um esporte, o basquete é sua cura.

Eu me sinto em paz quando estou jogando basquete.

Nicolas São Bernardo Basquete
Nicolas (centro), jogador do Sub-13 do São Bernardo Basquete [Reprodução]
Fique no Esportelândia e acompanhe mais histórias e curiosidades sobre basquete:

Eric Filardi Content Coordinator

Coordenador do Esportelândia desde 2021, é jornalista pós-graduado em Jornalismo Esportivo. Autor do livro “Os Mestres do Espetáculo”, que está na biblioteca do Museu do Futebol de São Paulo. Passou por Jovem Pan, Futebol na Veia e PL Brasil.