Não há dúvidas: Bernardinho marcou uma era no vôlei brasileiro. Ele transformou uma força emergente em uma potência mundial, revolucionando a forma como o esporte é jogado profissionalmente.

É importante destacar que Bernardinho não é um herói solitário, mas representa a etapa final de um longo processo de crescimento do Brasil no cenário do vôlei mundial.

Sua contribuição, no entanto, é incontestável. Em 24 anos de serviço à CBV (Confederação Brasileira de Vôlei), Bernardinho conquistou 27 títulos e levou a seleção a seis medalhas olímpicas consecutivas (de 1996 a 2016), incluindo dois ouros, em 2004 e 2016.

Para avaliar sua contribuição à Seleção Brasileira, a Esportelândia preparou uma análise detalhada de seus métodos, inovações, táticas e liderança, que levaram o vôlei a tantas conquistas.

Bernardinho nas Olimpíadas de 84 e Bebeto de Freitas

A trajetória de Bernardinho como técnico do Brasil começou a se definir ainda quando ele era jogador, durante a campanha da medalha de prata da Seleção em 1984.

Como levantador reserva, Bernardinho teve o privilégio de acompanhar de perto a equipe que iniciou a transformação do vôlei brasileiro, ao lado do treinador Bebeto de Freitas.

Essa experiência permitiu que Bernardinho aprendesse com um dos principais responsáveis pelo elevado nível do esporte no País, além de estreitar sua relação com Bebeto.

Tanto é que, nas Olimpíadas de 1988, Bernardinho integrou a delegação brasileira como assistente técnico.

Foto de Bernardinho durante o Mundialito de 1982
Bernardinho durante o aquecimento do mundialito de 82: muito aprendizado com a Geração de Prata
(Foto: Acervo Estadão)

Bernardinho com a Seleção Feminina nas Olimpíadas de 1996

Após dois anos sob a orientação de Bebeto de Freitas e três como técnico principal de equipes italianas, Bernardinho assumiu a Seleção Brasileira Feminina de Vôlei em 1994.

Durante seis anos à frente da equipe, ele conquistou seis títulos, incluindo o ouro no Pan-Americano de 1999 e os bronzes nas Olimpíadas de 1996 e 2000. Logo em seu primeiro ano, levou a Seleção ao vice-campeonato mundial e à vitória no Grand Prix.

Bernardinho foi fundamental na reformulação dos treinamentos, implementando sessões mais longas e aumentando os compromissos das jogadoras com a Seleção. A intensificação da musculação foi um ponto-chave para o sucesso de atletas como Ana Paula e Ana Moser.

Bernardinho treinador da Seleção Masculina

O sucesso de Bernardinho com a Seleção Feminina o levou a assumir o comando da Seleção Masculina de Vôlei.

Em 2001, a equipe vinha de uma campanha fraca nas Olimpíadas de Sydney, e a CBV via uma necessidade de renovação após a saída de José Roberto Guimarães.

Bernardinho trouxe a mesma abordagem que havia aplicado no time feminino, aumentando a carga de treinos, o tempo de convivência e o entrosamento dos atletas.

Sua pressão resultou na inauguração do CT de Saquarema, que desde 2001 se tornou o centro de excelência do voleibol brasileiro.

Sob seu comando, a equipe masculina passou a ter treinos intensivos, somando até cinco meses de preparação por ano.

A reforma nos treinos da seleção masculina não foi apenas por uma questão de ética de trabalho, pela qual Bernardinho é tão reverenciado, sendo inclusive referência para além da esfera esportiva.

O treinador estava também preparando os atletas para a acompanhar a revolução no vôlei mundial causada pela própria Seleção Brasileira.

Do Jornada ao Viagem

A Geração de Prata de 1984 pode ser lembrada no Brasil pelo saque “Jornada nas Estrelas” — criado por Bernard Rajzman, que colocava muita altura na bola para os adversários perderem a referência visual na queda — mas será eternamente marcada por outra reposição, o “Viagem”.

Chamado de “Viagem ao Fundo do Mar” pelo inesquecível narrador Luciano do Valle, o saque de enorme força e velocidade surgiu da brincadeira dos comandados de Bebeto de Freitas nos treinamentos, que tentavam pontuar distantes das redes.

A jogada foi adotada por Bebeto durante as Olimpíadas de Los Angeles e ajudou o Brasil a chegar até a prata, sendo uma espécie de compensação pela baixa estatura e menor porte físico dos nossos atletas.

Bernardinho e o jogo físico do vôlei brasileiro

O saque Viagem revolucionou o vôlei, forçando as equipes de outros países a repensarem seus métodos de recepção e a treinar essa jogada.

Com a força e velocidade do saque, o jogo se tornou mais rápido, exigindo que as jogadas fossem executadas com maior rapidez, já que a bola chegava aos receptores em alta velocidade.

As equipes passaram a incluir mais um jogador na recepção, reduzindo a participação dos centrais nessa fase, o que permitiu que eles atacassem a bola com mais agilidade.

Bernardinho, por sua vez, adaptou-se a essa nova realidade, treinando passadores mais ágeis e atacantes com boa recepção, como Giba, além de buscar elevar a média de altura do time.

As comissões de Bernardinho

Outro ponto que marcou a “Era Bernardinho” foi a tecnologia, com o uso de dados para auxiliar os treinos e a análise dos adversários.

O treinador não foi o pioneiro, mas, junto de Roberta Giglio, profissional que o acompanhava desde 1997, consolidou a metodologia do uso dos scouts no vôlei brasileiro.

Robertinha é só uma entre os vários profissionais de alto nível que Bernardinho colocou a serviço da Seleção. Sua montagem de comissões técnicas é elogiada pelos jogadores e um tanto essencial, se pensarmos na importância da rotina de treinamentos dentro no seu trabalho.

Bernardinho, a liderança e os títulos do vôlei brasileiro

Só que idealizar projetos, montar comissões e treinar jogadores não garantem títulos. Tampouco faz das conquistas algo regular em 20 anos como técnico das seleções brasileiras principais.

Não faltam literaturas sobre a liderança de Bernardinho. É possível encontrar vários materiais sobre a “Roda da Excelência”, o método de gestão desenvolvido pelo treinador.

Jogadores e jogadoras, por sua vez, o colocam como um cara extremamente exigente, mas que sabe tirar os tirar da “zona de conforto” e fazê-los excederem dentro de quadra.

Duas décadas de conquistas

A somatória de excelência no preparo, a reformulação no estilo de jogo e o papel de liderança de Bernardinho resultaram em duas décadas de conquistas das Seleções Brasileiras de Vôlei.

No masculino, o primeiro grande título foi o da Liga Mundial em 2001. Em 2002, o primeiro Campeonato Mundial. Em 2003, começou uma sequência de quatro taças consecutivas que durou até 2007.

A primeira grande consagração foi em 2004: a medalha de ouro na Olimpíadas de Atenas.

Depois do primeiro ouro olímpico, o grupo de Bernardinho deslanchou. Giba, Ricardinho, Gustavo, Serginho e cia passaram a dominar o vôlei mundial, conquistando outras duas Ligas além do tetra, outros dois Mundiais e outras duas pratas olímpicas antes do ouro de 2016, para ficar só entre os principais títulos.

O mérito do treinador, portanto, não foi somente montar uma equipe vencedora, mas mantê-la assim por quase duas décadas.

A renovação do vôlei brasileiro

Um dos segredos para o domínio do vôlei brasileiro no século XXI foi a renovação constante da equipe, que planejada comandada, claro, por Bernardinho.

Em cada grande competição, era normal ter entre dois e três jovens que participavam da delegação para ganhar experiência. O levantador Bruno, o oposto Wallace, o central Lucão, o ponteiro/líbero Murilo, entre vários outros que são hoje referências, começaram dessa maneira na seleção.

O Ouro de 2016 e o fim do ciclo

A Seleção Brasileira conquistou o ouro olímpico pela última vez sob o comando de Bernardinho nas Olimpíadas de 2016.

Esse triunfo redimiu as decepções das pratas em 2008 e 2012 e encerrou um ciclo intenso após cinco vice-campeonatos consecutivos entre 2013 e 2016. Renan Dal Zotto, que era Diretor de Seleções da CBV desde 2015, assumiu como sucessor de Bernardinho, que continuou contribuindo na coordenação técnica e no desenvolvimento de base.

Essa transição já rendeu dois títulos ao Brasil, demonstrando o impacto duradouro do legado de Bernardinho, que transformou o vôlei no país e no cenário mundial.

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