É desafiador, nos dias de hoje, medir a influência do esporte. A busca pela prática esportiva e a intensa exposição midiática desse universo permitem que muitas pessoas se conectem com ele, mesmo sem serem atletas, como é o meu caso. Por outro lado, o esporte também abriga organizações tão nefastas quanto uma máfia de apostas no tênis.
Esses grupos operam com discrição, explorando o vasto circuito profissional e as grandes plataformas de apostas para manipular resultados e se apropriar de uma fração dos bilhões movimentados nesse setor.
O esquema de apostas e a venda de previsões no tênis são tão amplos e arriscados que conseguem persistir, mesmo diante da existência de uma entidade dedicada a combatê-los.
Essas máfias conseguem até cooptar atletas com carreiras consolidadas, como ocorreu com um ex-número 1 do Brasil e 69 do mundo.
No texto a seguir, vamos explorar como essas máfias atuam, qual é a reação do mundo do tênis e o impacto dessa “batalha” no jogo, além de abordar o caso do tenista João Feijão, banido do esporte no início de 2020.
O esquema de apostas no tênis
O esquema de apostas nos tênis se baseia em dois pontos. O primeiro é a extensão dos circuitos do ATP, de inúmeros torneios e, entre eles, vários de baixo alcance midiático. Assim, tem menor estrutura e principalmente menor premiação aos competidores.
Esse tipo de competição gera uma “tempestade perfeita” para o aliciamento de atletas.
Geralmente, os alvos são tenistas com baixo ranqueamento e desempenho limitado nas competições. Esses atletas frequentemente enfrentam dificuldades financeiras, ou pelo menos possuem rendimentos menores em relação aos colegas que estão entre os Top 100.
Para completar, esses campeonatos têm um menor retorno desportivo, rendendo pouquíssimos pontos no ranking da Associação de Tenistas Profissionais.
O cenário faz com que o dinheiro oferecido pelos manipuladores seja de uma tentação enorme. As quantias oferecidas vão além de qualquer realidade profissional palpável para os tenistas cooptados, que só poderiam ser equiparada por inúmeras vitórias em torneios.
Uma grana, que, para finalizar, pode resolver problemas financeiros infelizmente comuns aos atletas de um esporte de altos custos de viagem e de equipamentos.
Apostas ilegais no tênis e a venda de prognósticos
Para se ter noção, em 2010 já lucrava mais de US$ 1 bilhão e fazia girar mais de US$ 20 bilhões só no tênis. A criação de sites contribuiu muito para essa realidade. Eles são capazes de receber um volume muito maior de apostas.
No tênis, isso significa que diversas possibilidades são aceitas — resultados, sets, games, pontos, saques, quebras de serviço, entre outros — e, principalmente, essas apostas ocorrem em qualquer jogo profissional ou até mesmo em competições federadas, incluindo categorias juvenis a partir de certa idade.
Em outras palavras, isso cria um ambiente ideal para a venda de prognósticos.
As redes de apostas ilegais podem atuar em escala global e possuem recursos financeiros substanciais para aliciar atletas. Esses atletas, por sua vez, podem influenciar as partidas de maneiras que vão além do simples resultado.
Ao combinar a vulnerabilidade dos torneios e dos tenistas profissionais fora da elite do esporte com as amplas possibilidades de operação dos sites de apostas, temos um submundo que movimenta mais de US$ 20 bilhões por ano.
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O tenista João Feijão e a manipulação de resultados
Com um faturamento comparável ao de grandes multinacionais, as redes de apostas ilegais buscam o “baixo clero” do tênis principalmente para expandir suas opções e garantir a estabilidade de suas operações. O dinheiro, definitivamente, não é um problema para elas.
O caso do tenista João Feijão é bastante ilustrativo.
O brasileiro, que na verdade chama-se João Souza — o apelido vem da recorrência dos grãos em sua dieta — chegou a ser número 1 do ranking brasileiro em 2014 e alcançou a posição 69 no ATP, em 2015. Na época, chegou a somar mais de US$ 700 mil em prêmios e comparações com Guga.
A partida considerada manipulada por Feijão aconteceu em fevereiro de 2019, quando o tenista foi derrotado no Challenger de Morelos, no México, por Roberto Quiroz. Foram 2 sets a 0 em apenas 51 minutos de jogo — e olha que o brasileiro já fez uma partida de mais de 6 horas na Copa Davis. Veja com seus próprios olhos.
Casos de manipulação de resultados na elite do tênis
Se João Feijão tivesse sido abordado no auge de sua carreira, é pouco provável que aceitasse qualquer proposta. Além disso, a repercussão de um caso de manipulação envolvendo um atleta do Top 100 acarretaria enormes prejuízos para os apostadores ilegais.
Foi o que aconteceu em 2007 no caso Nikolay Davydenko. O ucraniano era o número 4 do mundo quando enfrentou o argentino Martin Arguello, colocado bem abaixo no ranking, pelo pequeno torneio de Sopot na Polônia.
Davydenko era o favorito claro e estava dominando a partida, vencendo o primeiro set e controlando o segundo. No entanto, ele pediu atendimento médico e acabou abandonando o jogo. Com isso, a vitória ficou com Arguello.
Simultaneamente à surpresa em Sopot, o site da Betfair estava registrando um volume incomum de apostas a favor do argentino, mesmo enquanto Davydenko dominava a partida.
Quando o ucraniano abandonou o jogo, a empresa congelou suas operações pela primeira vez em sua história. Em seguida, notificou a ITF, a Federação Internacional de Tênis, alertando que algo estava errado.
A TIU e o combate às apostas ilegais no tênis
A investigação sobre o caso Davydenko levou mais de um ano e acabou inocentando ambos os tenistas. No entanto, ela resultou na criação da TIU, a Unidade de Integridade do Tênis, que hoje é a principal responsável pelo combate aos esquemas de apostas no esporte.
Apesar das dificuldades em desmantelar redes bem estruturadas e que operam dentro dos limites do jogo, a organização tem mostrado eficiência em suas ações.
Foi a TIU, por exemplo, que conduziu os casos do tenista João Feijão e de outro brasileiro, Diego Matos. Ambos foram banidos do esporte.
O esquema dos courtsiders no tênis
A TIU foi responsável também por praticamente desmembrar o esquema dos Courtsiders, um dos maiores dentro das apostas ilegais. Ele funcionava a partir do tempo em que o site ou uma agência demorava para atualizar os placares de uma partida.
Nesse esquema, os apostadores posicionavam os “courtsiders” — pessoas que ficam ao lado da quadra — em um ângulo da arquibancada que permitia monitorar as reações dos árbitros.
Com dispositivos ocultos, geralmente celulares simples, eles transmitiam informações sobre os pontos o mais rápido possível para seus contratantes, que então apostavam nos pontos que já sabiam que iam acontecer.
Para combater essa prática, a TIU e a ITF adotaram uma estratégia similar. Elas firmaram uma parceria com sites de estatísticas esportivas, que passaram a contar com profissionais realizando a mesma função dos courtsiders, eliminando assim o tempo de diferença entre o ponto realizado e a atualização nas plataformas.
Em troca, casas de apostas alertam à organização sobre jogos com um volume suspeito de apostas. Assim, não só as investigações são facilitadas como possibilitam a prevenção da manipulação em alguns casos.
As investigações da TIU
Ainda assim, a a TIU não está livre de críticas. A discrição pela qual preza a organização as vezes parece se confundir com impunidade, especialmente nos casos de atletas de maior visibilidade.
A dificuldade em obter provas concretas contribui para essa percepção. As máfias de apostas, afinal, sabem operar nas sombras. Além disso, é realmente complicado distinguir, apenas por imagens, um jogo manipulado de uma má fase de um tenista.
Por essas razões, a organização estabeleceu uma regra em parceria com a ITF que obriga os jogadores a denunciarem qualquer abordagem feita a eles ou a seus colegas. Foi o que fez, por exemplo, João Menezes no caso de João Feijão, assim como Djokovic, que também reportou uma abordagem em 2011.
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Repórter do Esportelândia desde 2024. Formada em arbitragem pela Federação Paulista de Voleibol. Fundadora e administradora da página Passe Na Mão, uma das maiores referência de voleibol feminino do país.