Todo mundo que não é neozelandês e que já o viu, seja ao vivo ou em uma das centenas de vídeos viralizados na internet, já deve ter se perguntado o que é o haka. Seria uma dança? Um ritual? Uma provocação? Uma celebração?
Pode parecer presunçoso dizer mas sim, é isso e mais. Trata-se de uma tradição, uma expressão única da cultura nativa da Nova Zelândia e, por mais de cem anos, um verdadeiro símbolo dos famosos All-Blacks.
No texto a seguir, reunimos tudo o que você precisa para saber o que é o haka. Traçamos sua história, listamos alguns de seus tipos, explicamos seus significados e, claro, o seu impacto dentro do rugby mundial.
O que é o Haka?
O nome haka se refere a toda e qualquer dança tradicional maori, a etnia polinésia e nativa da Nova Zelândia. A partir de uma dinâmica de comandos e respostas, os hakas combinam cantos, expressões faciais, gestos e movimentos rítmicos como tapas no corpo e pisões.
Comumente descrito como uma dança de guerra, o haka é, na verdade, uma dança cerimonial. Existem diferentes versões para diferentes situações, como casamentos, funerais, recepções de convidados ilustres e sim, batalhas.
Parte integral da cultura maori — e de outras etnias da Polinésia, com suas respectivas versões — o haka se popularizou no mundo ocidental graças aos All Blacks, a seleção neozelandesa de rugby, que tradicionalmente o faz antes do início de suas partidas oficiais.
O que significa o haka da Nova Zelândia?
O haka, como falamos, não é somente uma dança, mas toda uma declamação rítmica, por assim dizer. E cada ocasião tem seu texto, sua oração ou canção, para colocarmos em termos mais amplos.
A seleção neozelandesa rugby alterna a execução de dois hakas diferentes, o Ka Mate e o Kapa O Pongo. Estes são seus significados (via Jornalismo Júnior/ECA-USP):
Ka Mate, Ka Mate
Ringa pakia! (Líder)
Bata suas mãos nas suas coxas!
Uma tiraha!
Encha o peito.
Turi whatia!
Dobre os joelhos!
Hope whai ake!
Deixe os quadris seguirem!
Waewae takahia kia kino!
Bata os pés o mais forte que puder!
Ka mate, ka mate
Você morre, você morre
Ka ora’ Ka ora’ (Time)
Eu vivo, eu vivo
Ka mate, ka mate (Líder)
Você morre, você morre
Ka ora’ Ka ora’ (Time)
Eu vivo, eu vivo
Tēnei te tangata pūhuruhuru (Todos)
Este é o homem peludo
Nāna i tiki mai whakawhiti te rā
Que fez o sol brilhar por mim de novo
A Upane! Ka Upane!
Subindo a escada, subindo a escada
A Upane Kaupane'
Até o topo
Whiti te rā!
O sol brilha!
Hī!
Levante-se!
Kapa O Pango
Kapa o Pango kia whakawhenua au i ahau! (Líder)
All Blacks, deixem-me tornar um com Terra
Hī aue, hī! (Time)
Ko Aotearoa e ngunguru nei! (Líder)
Esta é nossa terra que treme
Au, au, aue hā! (Time)
É nossa hora! É o nosso momento
Ko Kapa o Pango e ngunguru nei! (Líder)
Isso nos define como os All Blacks
Au, au, aue hā! (Time)
É nossa hora! É o nosso momento
I āhahā! (Líder)
Ka tū te ihiihi (Time)
Nossa dominação
Ka tū te wanawana (Todos)
Nossa supremacia irá triunfar
Ki runga ki te rangi e tū iho nei, tū iho nei, hī! (Todos)
E seremos colocados no topo
Ponga rā! (Líder)
Samambaia prateada
Kapa o Pango, aue hī! (Time)
All Blacks
Ponga rā! (Líder)
Samambaia prateada
Kapa o Pango, aue hī, hā! (Time)
All Blacks!
Os tipos de haka dos All Blacks
Ao longo de mais de cem anos de tradição, os All Blacks executaram cinco hakas diferentes:
- Ake Ake Kiu Kaha (“Sempre, sempre permaneça forte”): o primeiro feito pelos All Blacks
- Tena Koe Kangoroo (“Como vai, Canguru”): haka de provocação à seleção australiana nos anos 1900
- Ka Kiu Niu Tireny (“A Tempestade da Nova Zelândia”): usado nos anos 1920
- Ka Mate (“É a morte”): haka mais popular dos All Blacks
- Kapa O Pango (“All Blacks”): haka criado em 2005 exclusivamente para a seleção
A história do haka no rugby
Em 1888, um grupo de jogadores britânicos de origem maori começou uma história que provavelmente se podia imaginar onde iria chegar.
Representando a Nova Zelândia, o combinado foi duplamente pioneiro: foi o primeiro a usar o uniforme inteiramente preto — que daria origem aos All Blacks anos depois — e o primeiro a fazer um haka antes de uma partida de rugby.
Na ocasião, um excursão de amistosos pelos países britânicos, os jogadores executaram o Ake Ake Kiu Kaha, um haka que exalta a força e a resistência dos maori. Ali, a equipe iniciou uma tendência entre os atletas “kiwi”, que era fazer a dança nos compromissos longe da Nova Zelândia, como uma forma de afirmação de sua identidade — um hino cultural, por assim dizer.
O movimento se solidificou poucos anos depois no histórico tour dos Original All Blacks, em 1905. Nele, um grupo de neozelandeses “comuns” e trabalhadores viajaram pela Europa e Reino Unido para jogar e perderam apenas uma de 36 partidas disputadas, incluindo confrontos com seleções nacionais e campeões domésticos.
A partir dali, o haka passou a ser, ao menos aos jogadores da Nova Zelândia, um símbolo de sua força no rugby e uma lembrança de sua marca no mundo dos esportes.
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Shelford, Reid e a Copa do Mundo de 1987
Se você sabe o que é o haka hoje em dia, tem que agradecer não só aos pioneiros dos anos 1880 e 1900 mas também a dois jogadores da década de 1980, Wayne Shelford e Hika Reid.
Prestando atenção no vídeo mais acima, dá para notar que os primórdios do haka dos All Blacks eram um tanto desconexos, dessincronizados, as vezes até descompromissados. Foi só a partir da intervenção de Shelford e Reid que a dança tomou a forma e a magnitude de uma tradição histórica.
Líderes da seleção e descendentes de linhagens maori, os dois trouxeram a discussão sobre o haka ao grupo e principalmente a importância de fazê-lo apenas de fosse algo de fato unânime, unificado e sincero.
Então, em 1985, Reid e Shelford botaram os grandalhões do rugby neozelandês para dançar. Além de treinos para as partidas, os jogadores ensaiavam o mana (“pronúncia”), movimentos e as expressões do Ka Mate.
Quando chegou a Copa do Mundo de Rugby de 1987, disputada entre a Austrália e a Nova Zelândiia, os All Blacks estavam prontos para mostrar sua repaginada tradição à sua torcida e ao mundo. E o fizeram, religiosamente, até a final, vencida contra a França.
A Dança da Nova Zelândia
Conforme os All Blacks conquistavam seu sucesso esportivo, o haka ganhava cada vez mais relevância cultural.
Para se ter noção, a tradição tomou tamanha dimensão que foi criado um haka especial, o Kapa O Pango, que exalta a seleção e o símbolo da samambaia prateada que estampa o seu uniforme, somente para a execução da equipe.
Com a conquistada do tricampeonato mundial (1987, 2011 e 2015), então, a dança estourou e se consolidou como uma espécie de fenômeno pop.
Vídeos dos hakas dos All Blacks começaram a ser praxe entre os compartilhamentos e versões de casamentos e outras ocasiões passaram a viralizar com facilidade. Hoje dá para dizer que é algo do rugby, mas uma dança da Nova Zelândia.
Valorização e exploração da cultura maori
A popularidade, no entanto, levou ao questionamento do que é o haka hoje em dia. Por um lado, há quem diga que a superexposição banalizou o significado da tradição e levou a uma certa exploração da cultura maori, com performances supostamente fora de propósito e acepções culturais que beiram a apropriação.
Do outro lado, a defesa é de que a popularização do haka é a própria cultura maori prevalecendo e se valorizando; se o mundo a conhece mais, na Nova Zelândia ela é cada vez mais presente no dia a dia do cidadão comum.
Veja, por exemplo, o funeral de Jonah Lomu, um dos maiores jogadores de rugby de todos os tempos, cujos hakas feitos por ex-colegas e por estudantes que prestavam suas homenagens proporcionaram um momento único, emotivo e muito bonito.
A discussão não é nova, tampouco restrita ao haka. Ao menos aponta para o enorme e crescente ao alcance do rugby dentro da cultura mainstream.
Os reflexos, ao menos por agora, parecem ser positivos. É só olhar para países como Fiji, Tonga e Samoa, nações polinésias que sentiram-se empoderadas para também executar seus rituais cerimoniais antes de partidas de rugby.
Abaixo, você pode assistir os vídeos do Cibi (Fiji), Sipi Tau (Tonga) e Siva Tau (Samoa):
As respostas ao haka dos All Blacks
O debate sobre o que é o haka não é somente cultural. Dentro do universo do rugby, são recorrentes as discussões do que ele representa dentro das partidas.
Hoje em dia, o haka é praticamente uma solenidade, feito pelos All Blacks após os hinos nacionais e respeitosamente prestigiado pelos adversários. O quase sempre.
O caráter agressivo da dança, afinal, pode ser intimidador. E existem questionamentos se isso seria uma vantagem para os neozelandeses ou mesmo se configura uma provocação e portanto um quebra da estimada ética do esporte.
Os jogadores dos All Blacks rebatem garantindo que o haka é muito mais sobre eles mesmos do que sobre os adversários. Seria uma maneira de reforçar sua unidade e seu espírito competitivo.
Um gesto polêmico, por exemplo, ao final do Kapa O Pongo, que é o deslizar de dedos sobre a garganta, é explicado pelos atletas como uma evocação a haurora, o “sopro da vida que entra pelos pulmões”.
Há também um choque cultural nessa história toda, e com um quê de rivalidade. Afinal, são os europeus, maiores vítimas dos All Blacks, que aparentam maio incômodo com a suposta vantagem do haka. E, no fim, qual a diferença do haka para uma roda de oração?
Uma maneira de diminuir a discussão tem sido as respostas dos adversários ao haka, igualando a imposição psicológica, como a encarada da seleção galesa, a marcha lenta da seleção francesa, enfim, maneiras de “aceitar o desafio” e ao mesmo tempo respeitar a tradição.
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*Última atualização em 18 de abril de 2021
Jornalista formado pela UNESP, foi repórter da Revista PLACAR. Cobriu NBB, Superliga de Vôlei, A1 (Feminino), A2 e A3 (Masculino) do Campeonato Paulista e outras competições de base na cidade de São Paulo. Fanático por esportes e pelas histórias que neles acontecem, dos atletas aos torcedores.