As gírias de futebol são mais importantes do que a gente pensa. É por meio delas que entendemos o jogo, que o trazemos para a nossa realidade, que fazemos aquela boa resenha de bola.
Já imaginou falar que o “médio-centro defensivo violento lesionou o melhor jogador do meu time” no meio de uma discussão turbinada por alguns copos? Muito melhor um “aquele volante carniceiro arrebentou o meu craque”, não é mesmo?
Tá certo que “carniceiro” e “arrebentou” são mais coloquialismos, mas “volante” e “craque” são gírias puras. Tão usadas que passaram a ser termos, ainda mais para quem nasceu já com um Brasil Tetra ou mesmo um Tri desiludido com a Copa de 82.
Muitas das gírias futebolísticas consagradas são datadas do início do futebol profissional do Brasil, e é até normal que não saibamos a origem de muitas das expressões que gastamos nos acalorados debates boleiros que fazemos por aí.
Você sabia, por exemplo, que “chaleira” não tem nada a ver com chá? Ou que zagueiro é essencialmente uma gíria, e que vem de zaga, e não o contrário?
Por essas e outras que preparamos um pequeno glossário do futebol, com as principais gírias usadas e as suas inusitadas origens.
A origem das gírias no futebol
Para se ter uma melhor dimensão da história das gírias no futebol, é preciso antes voltar um pouco no tempo. Afinal, toda a cultura de futebol que conhecemos não foi construída de um dia para outro.
É aquele papo da origem dos substantivos. Ninguém pegou uma colher na mão, chamou de colher e pronto. Da mesma maneira, o futebol não foi um fenômeno esportivo e cultural assim, do nada.
A inserção do futebol como um elemento cultural no Brasil aconteceu por meio das elites econômicas, no começo do século XX. Esse pessoal, que era chegado em imitar coisas gringas, como as corridas de cavalo, chegava da Inglaterra com um novíssimo e civilizado esporte.
Se Charles Miller chegou com uma bola e um livro de regras para ensinar o pessoal a jogar, foram feitos manuais de etiqueta para ensinar o povo a torcer. No comecinho de 1900, o futebol, era, afinal, um esporte elitista, e os jogos eram um evento da high society brasileira, com ternos, cartola e luvas nas arquibancadas.
Esses manuais ditaram a primeira maneira como se acompanhava e se entendia o esporte. Além de ensinar como se portar durante os jogos, as peças detalhavam as regras do jogo, as posições e os fundamentos.
As conversas sobre as partidas de football usavam e abusavam, portanto, dos termos que diziam os manuais. Até porque, de onde mais sairiam? E dá-lhe expressões em inglês. Goal e shoot são os mais óbvios, virando chute e gol, respectivamente.
Há também dribble, que virou o nosso drible, e o center halfback, que queria literalmente dizer o “central do meio para trás”, e que virou o nosso central, a denominação inicial para o que hoje é o zagueiro.
Com a maior fama do jogo, e a sua inevitável profissionalização, ali em meados de 1930, o futebol passou a ter uma maior apreensão popular, a ir além dos olhos dos sócios dos clubes.
O interesse público acabou com as etiquetas dos manuais, assim como a exclusividade técnica de seus textos. O pessoal queria saber o que aconteceu no jogo, quem era o autor do gol, como foi o chute, essas coisas.
Daí para a crônica esportiva foi um passo. Pioneiros como Mário Filho, o irmão de Nelson Rodrigues e o homem que dá o nome ao Maracanã, começaram a estampar os relatos das partidas nos jornais e a sintetizar o interesse popular nos seus textos, assim como moldar a linguagem usada.
Foi de Mário, por exemplo, a expressão perna de pau, assim como a popularização do uso de frango para uma falha do goleiro.
A política do Estado Novo (1937-1946) de Getúlio Vargas, de usar o futebol como elemento unificador e o rádio como ferramenta de comunicação, fez o resto do serviço. As pessoas liam e ouviam dos craques, dos zagueiros, dos gols de placa, que tomaram a conversa daí em diante.
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O glossário de gírias do futebol
Torcedor
Primeiro, vamos de uma gíria metalinguística, a que descreve a quem servem as gírias, o torcedor. Lembra da história dos eventos sociais da elite durante os jogos no início do século XX?
Imagina só usar terno, cartola e luvas quatro horas da tarde no Rio de Janeiro. Que eu saiba, o ar-condicionado não tinha sido inventado. Pois bem, nesse calorzão todo, era comum que as mulheres que acompanhavam o jogo dessem uma torcida nas suas luvas, encharcadas de suor.
As crônicas, então, falavam das torcedoras da arquibancada, e o termo pegou. E tem gente que fala estádio não é lugar para mulher…
Craque
A palavra craque é herança do turfe, a corrida de cavalos, e portanto dos primórdios elitistas e amadores do futebol. O crack horse era o cavalo mais rápido da pista.
Em inglês, crack significa tanto o som de quebra como uma quebra em si. O crack horse seria o cavalo que quebraria com mesmice da corrida (e quem sabe, a banca de apostas).
Quer mais detalhes? O History Channel detalhou a história da palavra “craque”:
Zagueiro
Sim, como falamos lá no começo, a palavra zagueiro, hoje um termo, é essencialmente uma gíria. E mais: zagueiro é uma derivação de zaga, e não o contrário.
Em espanhol, a palavra zaga quer dizer a parte traseira de algo, as costas, ou especificamente uma carga acomodada na parte de trás de um veículo. No dialeto militar, quer dizer o último pelotão de uma tropa em marcha.
O mais provável é que o zagueiro foi inspirado no uso militar, assim como o artilheiro — o soldado treinado habilitado para o tiro de artilharia. Outro ponto provável é que uso no Brasil seja fruto da convivência dos jornalistas brasileiros com os latinos, nas competições continente afora.
Volante
Outra designação de uma posição que, na verdade, é uma gíria. Começou a ser usada a partir sucesso do argentino Carlos Martín Volante como jogador do Flamengo entre as décadas de 1930 e 1940.
O meia hermano era uma referência não só pelo seu posicionamento mais recuado, mas também pela sua combatividade e garra dentro de campo. Num determinado momento em que se lesionou, o treinador do Mengão teria dito que precisava de alguém na “posição do Volante”.
Gandula
Mais uma contribuição hermana para o nosso vocabulário boleiro. Bernardo Gandulla era um meia argentino do Vasco, em 1939. Conta o jornalista Mário Filho, numa crônica selecionada no livro “Sapo de Arubinha”, que Gandulla não era lá muito utilizado dentro de campo, mas que buscava as bolas durante o jogo que era uma beleza.
Também numa crônica, Mário Filho batiza um pereba qualquer de perna de pau: “A perna que não chutava dava uma impressão desagradável de coisa postiça. Para o homem da arquibancada, era de pau”.
Gol Olímpico
Para não dizer que é mais uma gíria de origem argentina, vamos dizer que ela é dividida com os uruguaios. O ano era 1924, e a Seleção Argentina ofereceu um amistoso ao Uruguai em comemoração à vitória dos celestes nas Olimpíadas daquele mesmo ano.
O gol de escanteio, que não era permitido até semanas antes e teve a liberação avisada na véspera do jogo, aconteceu, feito pelo argentino Onzari. Para tirar aquela casquinha dos uruguaios, os hermanos passaram a chamar o feito de “gol olímpico”.
O escritor uruguaio Eduardo Galeano fez uma breve crônica sobre a história, publicada em seu livro “Futebol ao sol e à sombra”. Delicie-se.
Gol de Placa
De volta aos feitos legitimamente brasileiros, o “Gol de Placa” foi uma “tabelinha” entre Pelé e o lendário jornalista Joelmir Beting. O craque fez um golaço contra o Fluminense, em 1961, no Maracanã.
Joelmir, trabalhando para o jornal “O Esporte”, encomendou, pagou e foi instalar uma placa no próprio estádio. A ação fez sucesso, e os narradores e cronistas da época falavam em gols “que também merecem placa”.
O mais curioso disso tudo é que não há imagens desse gol. Há de todos os outros do jogo, que terminou em 3 a 1 para o Santos, mas o do Gol de Placa que é bom, nada.
O filme “Pelé, o Atleta do Século”, encenou o lance com os jogadores da base do Fluminense. O volante Arouca faz o papel de Coutinho, e Pelé é interpretado pelo meia Toró.
O lance pode ser visto abaixo aos 3:23, mas o vídeo todo, uma matéria do Esporte Espetacular, vale a pena.
Chaleira e Trivela
Sejam passando ou finalizando, eis dois tipos de movimentos com duas histórias simples. A começar com a chaleira, que não tem absolutamente nada a ver com o utensílio. Ela é assim chamada porque era muito usada por ninguém menos que Charles Miller, o “pai’ do futebol no Brasil.
Já a trivela é sim relacionada a um objeto. Ela compartilha o nome com as fivelas de um sapato social, na parte lateral do peito pé — justamente onde é feito o chute.
A Zebra e o Bicho
Para finalizar o nosso dicionário das gírias de futebol, nada melhor do que duas expressões únicas no nosso vocabulário boleiro, até porque tem uma origem legitimamente brasileira: o Jogo do Bicho.
A loteria animal, criada por um dono de zoológico no Rio de Janeiro, no começo da República no Brasil, tinha 25 bichos para serem escolhidos numa cartela, que seria sorteada ao fim do dia. Nenhum dos 25 era a Zebra.
“Dar Zebra”, então, era ter um resultado absolutamente imprevisível. A expressão é também um caso contrário da maioria das gírias, passando da apreensão popular para a crônica esportiva.
O “bicho”, no caso o prêmio em dinheiro para os jogadores após as partidas, também tem origem no jogo. Consta que começou no Vasco no começo da década de 1920, e, portanto, antes da profissionalização do esporte, época em que eram proibidos atletas assalariados.
As boladas seguiam a lógica da numeração do Jogo do Bicho. Cada animal valia um número, que no vestiário significava a quantia a ser recebida, quase como um código para burlar o pagamento aos jogadores.
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