Se Paris 2024 vai fazer história com o mesmo número de vagas para homens e mulheres, no passado a situação era bem diferente. Na primeira Olimpíada da Era Moderna, as mulheres não tinham permissão para disputar nenhuma prova.

Na época, o idealizador do grande torneio, Pierre de Coubertin, não deixou dúvidas sobre a sua opinião quanto a mulheres na competição: “uma olimpíada com mulheres seria impraticável, desinteressante, inestética e imprópria”. Mas surgiu uma mulher que desafiaria as proibições impostas.

Stamata Revithi enfrentou o preconceito da época e marcou seu nome na história, mesmo que esquecida. Para entender a sua história, também é preciso conhecer um pouco do contexto.

Venha com a gente saber quem foi Stamata Revithi e o que a levou a desafiar as autoridades da época.

Conheça Stamata Revithi: primeira mulher a disputar uma Olimpíada desafiando a misoginia

Olimpíadas de Atenas 1896

Pierre de COUBERTIN
Pierre de Coubertin, idealizador das Olimpíadas modernas. Reprodução

Eventos esportivos estão presentes na sociedade desde a Antiguidade, onde também foram disputados os Jogos Olímpicos. Na Era Moderna, eles foram idealizados por Pierre de Coubertin.

Francês, Coubertin é conhecido como o “pai das Olimpíadas Modernas”. Com a influência de sua época, onde as mulheres eram consideradas inferiores e mais fracas que os homens, ele não concordava com a disputa feminina no torneio.

Além disso, nos Jogos Olímpicos da Antiguidade, apenas homens participavam do evento. Como Coubertin tinha inspiração no torneio antigo, o aristocrata francês foi a favor de manter a proibição em Atenas 1896.

A primeira Olimpíada da Era Moderna teve a maratona, que hoje é um dos mais tradicionais eventos da competição. A prova é baseada na lenda de Fidípides, que teria percorrido cerca de 42 km para avisar sobre a vitória dos gregos contra os persas.

Segundo a lenda, Fidípides cumpriu com a sua missão, mas morreu de exaustão assim que a completou. Só que a história serviu de inspiração para Michel Bréal, amigo de Coubertin.

Atualmente, a distância percorrida por Fidípides é próxima à distância oficial da maratona olímpica, onde todos precisam correr 42,195 km.

História de Stamata Revithi

Stamata Revithi – Wikipédia, a enciclopédia livre

Por muito tempo, sua história foi esquecida por todos, sem nenhum documento oficial do Comitê Olímpico Internacional reconhecendo o seu esforço. No entanto, há arquivos de jornais que contaram o que aconteceu.

Em 1993, um escritor e historiador olímpico grego, chamado Athanasios Tarasouleas, publicou um texto com o nome de “The Female Spiridon Loues”, “a versão feminina de Spiridon Louis”, em tradução livre. Spiridon Louis foi o primeiro vencedor da maratona olímpica, em Atenas 1896.

Em seu pequeno texto, Athanasios narra sobre Stamata Revithi. Através de jornais de 1896, o escritor foi capaz de juntar informações sobre quem teria sido a primeira mulher a correr uma maratona olímpica, mesmo que de forma não oficial.

Vários jornais da época teriam mencionado Stamata Revithi, como Acropoli, Asti, New Aristophanes e Atlantida. Ela teria terminado a sua corrida em cerca de 5 horas e meia.

Stamata nasceu em Siro, cidade grega, em 1866. 30 anos depois, ela estaria vivendo na pobreza, em Pireu, também na Grécia. Antes da Olimpíada de 1896, Revithi teve dois filhos, mas um morreu em 1895, no Natal, com apenas sete anos.

O mais novo tinha só 17 meses na época do torneio em Atenas. Athanasios afirma que Stamata era loira, magra e tinha “largos olhos que imploravam para escapar da miséria”. Ela queria sair de Pireu para tentar a sorte em Atenas, a procura de emprego.

Mas, sem dinheiro, precisou ir andando e levando seu filho no colo. Essa viagem aconteceu dias antes da primeira maratona olímpica, com Stamata percorrendo por volta de 9 km.

Foi nessa viagem onde encontrou um corredor, que a deu dinheiro e a recomendou correr na maratona. A ideia era ganhar fama, o que poderia facilitar a busca por um trabalho ou conseguir renda. Decidida, Revithi se dirigiu para a cidade de Maratona.

A maratona de 1896

Segundo a lenda de Fidípides, o mensageiro estava presente na Batalha de Maratona. A disputa foi pela cidade Maratona, que fica próximo de Atenas. É também o local onde aconteceu as largadas das maratonas olímpicas de 1896 e 2004.

Stamata Revithi chegou na cidade no dia 28 de março (9 de abril no calendário gregoriano). Por ser uma mulher, logo chamou a atenção, já que também iria correr com todos os outros homens.

Ela falou com os repórteres e o prefeito da cidade, Sr. Koutsogiannopoulos, a hospedou em sua casa. Apesar da animação da imprensa da época e do prefeito, Revithi não recebeu a permissão para correr a maratona.

De forma oficial, o comitê organizador teria negado o pedido porque o período de inscrição já tinha se encerrado. Para David Martin e Roger Gynn, historiadores olímpicos, o motivo era apenas por ser mulher.

Com a rejeição, Stamata não participou da corrida no dia 10 de abril. No entanto, no dia seguinte, decidiu que iria percorrer a mesma distância, sozinha. Antes de ir, pediu para o único professor da cidade, o prefeito e o magistrado para que assinassem uma declaração confirmando seu horário de partida.

Sua saída se deu às 8h, chegando em Parapigmata, local que hoje é um hospital em Atenas, às 13h30. Mas Revithi não foi permitida a entrar no estádio onde era finalizado a corrida. Alguns militares gregos a pararam antes disso.

Mesmo assim, ela pediu para que esses oficiais assinassem a declaração, confirmando o seu horário de chegada. Historiadores entendem que Stamata pretendia se encontrar com Timoleon Philimon, secretário-geral do Comitê Olímpico Helênico, para informar o seu tempo na maratona.

Nem as declarações de Stamata Revithi e nem quaisquer documentos oficiais do Comitê Olímpico foram encontrados para confirmar a veracidade da história.

Stamata Revithi depois da corrida

Depois da maratona, não há mais relatos sobre Stamata Revithi. Não se sabe se conseguiu encontrar Philimon ou teve sucesso na busca por emprego. Sua história acabou sendo esquecida, até mesmo pelos entusiastas das Olimpíadas.

A primeira mulher a correr a maratona de forma oficial foi Violet Piercy, do Reino Unido, em outubro de 1926. Apesar disso, os Jogos Olímpicos só permitiram mulheres na maratona a partir de Los Angeles 1984, com Joan Benoit sendo a vitoriosa.

Duas mulheres na maratona de 1896?

Conheça Stamata Revithi: primeira mulher a disputar uma Olimpíada desafiando a misoginia
Melpomene é uma das nove musas da mitologia grega. Reprodução

Segundo Karl Lennartz, duas mulheres correram na maratona de 1896, não apenas Stamata Revithi. Para o historiador olímpico, há também Melpomene, nome citado em alguns jornais de 1896.

O jornal Messager d'Athènes, da França, não escreveu seu nome, mas relatou que a mulher demorou 4 horas e meia para correr o percurso. O tempo, assim, era menor que o de Stamata. Além disso, a sua corrida teria sido antes, no começo de março.

No trecho em que menciona essa mulher, o jornal também comete um erro ao falar em 42 km. A primeira maratona olímpica teve uma distância de 40 km.

Só que um membro fundador do Comitê Olímpico Internacional, Franz Kémény, confirma o tempo de 4 horas e meia e a chama de Miss Melpomene. Ele também afirma que a decisão de não a permitir na corrida foi criticada pelo jornal Akropolis.

O fato dessa mulher ser apresentada sem o seu primeiro nome acaba gerando dúvidas. Mas, anos depois da primeira Olimpíada, Alfréd Hajós, nadador campeão olímpico em 1896, também confirmou o nome de Melpomene e sua participação na maratona.

Para Lennartz a cronologia é essa:

  • Melpomene queria correr a maratona e o fez antes da corrida oficial, em 4 horas e meia;
  • O comitê organizador negou a sua participação, o que teria sido criticada pelo jornal Akropolis;
  • A maratona olímpica aconteceu em 10 de abril, apenas homens participaram;
  • Em 11 de abril, Stamata Revithi decidiu correr sozinha, levando 5 horas e meia;
  • Os jornais Asti, New Aristophanes e Atlantida noticiaram isso em 12 de abril.

Tarasouleas questiona Karl, argumentando que, nos jornais gregos, não há menção a Melpomene. Mas que isso acontece com Stamata Revithi várias vezes. O grego então sugere que ambas podem ser a mesma mulher.

É importante notar também que Melpomene se trata de uma das nove musas na mitologia grega. E, por isso, historiadores olímpicos acreditam que pode ter sido um nome atribuído à Revithi nos jornais.

Apesar do mistério envolvendo Melpomene e Stamata Revithi, o esforço feminino em Atenas 1896 é, agora, reconhecido por mais pessoas. Mesmo que o Comitê Olímpico Internacional tenha demorado tanto tempo para permitir a maratona feminina.

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